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sábado, 5 de fevereiro de 2011

PADRÃO IRREAL: AS IMAGENS DO CORPO DA MULHER NA MÍDIA MANIPULADAS DIGITALMENTE E SUA INFLUÊNCIA NA SUBJETIVIDADE FEMININA


RESUMO
Inspirada no vídeo “Evolution”, da “Campanha pela real Beleza” da Dove, esta pesquisa tem como objetivo analisar como o uso da imagem do corpo da mulher, alterada através das técnicas de manipulação digital de fotografias em ensaios de moda e campanhas publicitárias, influencia a subjetividade de mulheres que atuam como modelos profissionalmente. O impacto da divulgação do culto ao corpo perfeito que a mídia exerce sobre as mulheres é abordado nesta pesquisa a partir da análise de como a publicidade retrata o corpo feminino, e transforma-o em uma hiper-realidade de perfeição, criando desejos e fantasias impossíveis de serem alcançados. As imagens digitais são uma nova forma de representar o mundo e o indivíduo, e as mídias contemporâneas se aproveitam desta oportunidade, pela flexibilidade que a fotografia digital proporciona para a criação de novas realidades. A pesquisa busca na história da beleza feminina os motivos pelos quais as mulheres sofrem na busca exaustiva pelo padrão de beleza estabelecido pela mídia. Foi realizada uma entrevista e enviados questionários pela internet para a coleta de relatos de vivências das modelos. A análise qualitativa dos dados destacou a presença velada do tema nos discursos dos sujeitos, revelando a influência destas imagens no conceito de beleza que as mulheres têm de si mesmas e de outras também. O retoque digital de fotografias é amplamente usado no mundo publicitário, e as modelos sabem disso. Mesmo assim, o desejo dessas mulheres ainda é alimentado com imagens de corpos que dão a ilusão de serem reais por sua verossimilhança, mas que perdem toda sua concretude na tela do retocador.
Considerações Finais
A influência das imagens desses corpos femininos retocados digitalmente que a mídia veicula é notadamente presente nos discursos das entrevistadas, levando-nos a concluir que estas imagens influenciam não só o conceito de beleza que as mulheres têm de si mesmas, mas das outras mulheres também. As maneiras como essas imagens influenciam a subjetividade dessas mulheres vão desde a auto-aceitação das formas do próprio corpo, até o relacionamento social entre mulheres e com o sexo oposto e, no caso das modelos, na realização profissional. Além disso, estas imagens muitas vezes servem de base e referência para aprimoramentos na própria aparência para essas modelos, o que nos parece preocupante diante da impossibilidade de realização do desejo, que pode acarretar inúmeras frustrações.
Se a maioria das mulheres (não-modelos) já sofre para tentar atingir o padrão de beleza imposto pela mídia sem o conhecimento aprofundado de todo o processo de produção daquela imagem perfeita, mulheres como a entrevistada F., que têm o conhecimento de todo este processo, sofrem não só pela busca em si, mas pelo o fato de terem o conhecimento de que se busca o irreal, o inatingível.
Para essa maioria de mulheres sofredoras em sua eterna busca pela perfeição, estar bonita e em forma trás benefícios para sua auto-estima que estão vinculados à atratividade, “competição” com outras mulheres e a auto-aceitação na frente do espelho. A verdade é que não se espera dessa maioria que sejam perfeitas, irretocáveis, exemplos de beleza. Já para as modelos profissionais, a perfeição é a premissa para o sucesso, não deixando espaço para o que, para a maioria, poderia ser considero mero detalhe, e que para as modelos são tidos como imperfeições.
Pudemos observar a partir das entrevistas que a profissão escolhida por estas mulheres é fonte de sofrimento que muitas vezes pode ir além do sofrimento de simplesmente não ser bela. Se a aparência e a beleza são os instrumentos primordiais de trabalho dessas mulheres, suas subjetividades estão diretamente ligadas a estes aspectos. Assim sendo, quando existe algum insucesso na conquista de um trabalho, este interfere diretamente na subjetividade destas garotas, que acabam se sentindo insuficientes e frustradas, entregando na mão de profissionais do retoque o poder de decidir o que é ou não adequado ou perfeito em seus próprios corpos, muitas vezes as levando a buscas exageradas por tal padrão.
Percebemos que as entrevistadas fazem uma caracterização do que seria uma mulher bonita através da perspectiva de uma imagem saudável, independentemente do estado real de saúde da modelo retratada, mas pela impressão de saúde que a imagem passa, não considerando o retoque digital como elemento crucial da retratação publicitária. Se a imagem do corpo saudável na publicidade é a de uma pele luminosa, cabelos fortes e músculos torneados, a das modelos, na realidade, passa bem longe disso. Só uma sessão intensa de retoques na textura da pele e do cabelo e na iluminação das curvas – que não existem – adicionam à aparência naturalmente opaca das modelos um aspecto artificialmente saudável que elas demonstraram valorizarem tanto. Além do aspecto saudável, outro fator característico de uma mulher bela para as entrevistadas é a atitude e a personalidade, o que supera a imagem congelada da foto, transportando o conceito de beleza das entrevistadas para além da imagem.
Notamos que as entrevistadas evitaram esboçar qualquer tipo de angústia ou outro afeto referente à própria aparência, mascarando o valor que dão para suas aparências atrás de atribuições consideradas socialmente superiores, como a personalidade e a atitude, em detrimento da reflexão e crítica quanto a sua responsabilidade como veículo desses padrões, que a mídia expressa através do corpo delas. A constante, porém velada preocupação dessas modelos por sua própria aparência anula qualquer possibilidade de reflexão sobre o tema, pois refletir pode gerar uma frustração, ou culpa pela realidade, e como elas mesmas colocaram em seus discursos, para a mulher ser bonita ela tem que ser feliz consigo mesma, e refletir sobre a própria situação pode tirá-las desta posição confortável que elas acreditam ocupar.
A separação entre maioria e minoria nas entrevistas ficou bem delineada nos discursos. A maioria seria composta pelas mulheres comuns, ou não-modelos, ou ainda como uma das entrevistadas colocou, “pessoas normais”. Então, o que pudemos entender do discurso de algumas entrevistadas é que a maioria das mulheres está fora do padrão de beleza imposto pela mídia e a minoria - modelos e mulheres com poder aquisitivo para tanto - consegue atingir estes padrões. A primeira hipótese por nós levantada quanto a isso se referia ao fato de que conquistar essa beleza expressada nas imagens retocadas da mídia era uma questão de tempo e dinheiro, e, portanto, mulheres com alto por aquisitivo se incluiriam nessa minoria delimitada pelas entrevistadas. Ao nos aprofundarmos na análise dos discursos, constatamos que algumas delas não têm consciência de que este padrão analisado durante a pesquisa é ilusório e pouco arraigado ao real e a possibilidade de sua concretização no próprio corpo, impossível. Mesmo com possibilidade financeira para o acesso a cirurgias plásticas, métodos de emagrecimento e cosméticos de última geração, a mulher que se espelha na fotografia digitalmente manipulada nunca chega à perfeição estabelecida por aquela imagem, mas movimenta um mercado milionário, que supomos sustentar a divulgação deste padrão impossível, alimentando o desejo dessas mulheres com imagens de corpos que dão a ilusão de serem reais por sua verossimilhança, mas que perdem toda sua concretude na tela do retocador.
Ao focar todas suas preocupações e energias na busca do aperfeiçoamento individual da aparência, as mulheres que consomem essas imagens adulteradas alimentam o sistema individualista que o capitalismo implementou em nossa sociedade, empobrecendo o caráter social que é inerente ao ser humano. Ao se basear num padrão de beleza para classificar a si mesma e às pessoas a sua volta, essas mulheres podem até anular a existência do outro, quando este se afasta do que é considerado belo.
Constatamos, portanto, que o poder da publicidade extrapola o campo do consumo de mercadorias, instalando-se na subjetividade feminina através da criação de desejos e fantasias relacionados à aquisição do corpo perfeito como modo de conquista de espaço e privilégios na sociedade. A conquista do corpo perfeito passa a adquirir status de passaporte para as posições mais elevadas da sociedade. O corpo perfeito das fotografias retocadas na verdade simboliza o sonho de ver e ser visto nas altas rodas, o sonho de ser referência e regra, de receber toda a atenção e o reconhecimento relegado somente aos “deuses” da mídia.
A imagem do corpo perfeito, retocado, desmaterializado, é o símbolo do não-sofrimento, do equilíbrio divino entre ser e parecer, a representação visual do que poderia ser a felicidade. Enfim, essas imagens da perfeição são tão valorizadas e desejadas, que nos dá a entender que na verdade o que se busca não é simplesmente o corpo perfeito, mas a total ausência de sofrimento, frustração, dor, separação. O objetivo final nessa busca do corpo que não existe remete à utopia de um mundo sem os conflitos que a sociedade vive naturalmente, mas que está constantemente em movimento de fuga disto.


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