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terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O amor que se vai






O amor que se vai

Flávio Gikovate





…vamos começar tentando separar o amor do sexo. Às vezes, o amor se vai, e o sexo fica. E às vezes é o inverso, o sexo se vai e o amor fica. É preciso que fiquem bem claro estes dois aspectos, para que não se pensem que, porque o sexo às vezes está criando problemas, ou está complicado, isto já significa forçosamente, que o amor não está indo bem… As pessoas, equivocadamente pensam que o sexo e o amor precisam operar em simultaneidade, quando na realidade, operam em oposição.

O que é o amor? E como funciona a sexualidade? Estes são os dois aspectos fundamentais da nossa psicologia e da nossa subjetividade.

Uma das idéias defendidas é a de que o sexo e o amor não são parte do mesmo fenômeno, e sim, parte de dois mecanismos, ou de dois fenômenos completamente diferentes, e muitas vezes até antagônicos entre sim.

O amor, eu defino como sendo o sentimento que temos por aquela pessoa muito específica, muito especial, cuja presença provoca em nós a sensação de paz, aconchego e harmonia.

Então o amor, parece que tem haver basicamente com a primeira experiência existencial de todos nós, ou seja, com a experiência uterina. O amor corresponde a um remédio para a dor do desamparo que nasce no momento que nós nascemos. Vivemos no útero nos primeiros momentos da existência, de lá saímos depois de meses de aconchego, aconchego que é o único registro cerebral, porque a criança e a mãe, aquele feto dentro do útero vive uma situação ‘paradisíaca’, digamos assim, usando a metáfora bíblica, e existe, depois disso a ‘expulsão do paraíso’, que corresponderia ao momento do nosso big-bang, ou do nascimento.

A partir desta expulsão do paraíso, começam a surgir as dores e desconfortos, e um estado subjetivo, correspondente ao desamparo. Há uma sensação de desproteção, de insegurança e medo, tão visível na expressão do rosto da criança, ao nascer, pois é uma mudança para pior – a condição uterina é maravilhosa, e o nascimento é uma ‘expulsão do paraíso’.

Essa metáfora bíblica, curiosamente, reflete muito claramente o que acontece com cada um de nós. Inspirado por divindade ou não, quem escreveu isto descreveu exatamente como começa a vida, ou seja, no paraíso, e logo depois, a expulsão e o fim daquela harmonia, e início das dores, desconfortos e desamparo e a sensação de que, para que tenhamos algo parecido com aquele aconchego uterino, precisamos nos ‘acoplar’ a alguma outra pessoa, que é exatamente o que o bebê faz com sua mãe. No colo dela, ela se sente amplamente aconchegado. Visto por este ângulo, o amor é sempre um fenômeno interpessoal, ou seja, depende da existência de uma outra pessoa, muito específica em especial. O amor é parte de um prazer que Schopenhauer chamava de ‘prazer negativo’, ou seja, um remédio para a sensação desagradável de desamparo. A sensação agradável, ou prazer que deriva do fim da dor do desamparo. Por isso, é interpessoal, é paz, e um prazer negativo.

O sexo se manifesta, primeiramente, por volta talvez, dos 9, 10 meses de idade, quando a criança começa a perceber que ela e a mão não são, exatamente a mesma criatura, e começa a perceber o próprio corpo e tudo o que há em sua volta. Em sua pesquisa de seu próprio corpo, ela constata a existência de certas partes do corpo, cujo toque, provoca algumas sensações muito agradáveis. Esta inquietação agradável, nós depois chamamos de excitação sexual. E as regiões aonde, quando estimuladas, surgem esta sensação, chamamos de zonas erógenas. De todo modo, este fenômeno de excitação sexual, a criança descobre sozinha, e portanto é pessoal, em psicanálise chamado de auto-erótico. É prazer positivo, pois não depende de nenhum desconforto interior.




O sexo é assim. No amor é paz, não é excitação, é prazer negativo e é interpessoal. As vezes fico perplexo imaginando como a maior parte das pessoas confundem sexo com amor, até usando a expressão “fazer amor”. Não se faz amor. Amor se sente. Sexo se pratica.

E ainda assim, é preciso muita cautela, para ver se esta prática, de troca de carícias eróticas que correspondem às relações sexuais, é mesmo um fenômeno efetivamente interpessoal, ou, se ele não se mantém como pessoal, ao longo de toda vida, ou seja, na vida adulta surge o desejo visual masculino, a partir da puberdade, mas certamente, antes disso, todas as trocas de carícias, que os meninos e meninas brincam de fazer, são trocas de carícias que não dependem de objeto nenhum, e servem sempre, à estimulação direta da zona erógena.

Evidentemente, sobra a idéia de que o sexo, talvez, não tenha correlação direta com o amor, e às vezes até o tenha em oposição. O fenômeno amoroso, às vezes até atrapalha o sexo. Nas histórias de paixão, quando surge aquele encantamento muito intenso entre duas pessoas, muito forte a ligação, muita afinidade, muito encaixe, muito freqüentemente os homens tem dificuldade sexual. E as mulheres, ficam perplexas com isso, porque talvez, não seja este o fenômeno que acontece com elas, mas os homens se atrapalham muito quando tentam juntar o sexo com amor. Nossa cultura até estimula o sexo vinculado a outro fenômeno interpessoal, que ‘não é o amor’, que é a agressividade. Na nossa sociedade, o sexo tem mais compromisso com a agressividade do que com o amor, o que é muito complicado. Às vezes, o homem pode não ter nenhuma grande relação afetiva com a sua mulher, por exemplo, até estar meio enjoado dela, como pessoa, e ter até uma vida sexual estimulada pela irritação que ela pode provocar nele.

Os ‘machões’, os paqueradores mesmo, costumam se dar muito bem com os homens. Ficam no bar, tomando cerveja, abraçados com os homens, falando mal das mulheres. Entretanto, todo o desejo sexual deles vão todos dirigido para as mulheres. A amizade vai para os homens, e o desejo para as mulheres.

No mundo homossexual, não raramente, é inverso. Os homens homossexuais quase sempre se dão muito bem com as mulheres. Dão-se não tão bem com os homens. Parece que são amigos das mulheres, desejam e têm implicâncias e problemas com outros homens que talvez até ranços daquilo que lhes aconteceu na infância, porque meninos mais delicados e mais emotivos foram objetos de deboche, ironia e gozação por parte de outros meninos da mesma idade, e isso pode deixar nele talvez uma mágoa, uma raiva, uma revolta até contra a figura masculina, raiva esta que talvez só vá aparecer se um dia que uma sociedade como a nossa venha a aceitar com maior respeito a presença de crianças mais doces, meninos mais meigos, e não esta postura das famílias que até hoje continua igualzinha, em exigir que o menino seja ‘macho’ no sentido de grosso, visto que macho e grosso são sinônimos em nossa cultura. O verdadeiro macho tem que ir pra briga, tem que gostar de xingar os outros, tem que gostar de determinado tipo de esporte, tem que ser grosseiro no esporte, tem que roubar no jogo… se gostar de balé…. isto é um crime monumental na nossa cultura, porque em outras culturas, pode-se ser bailarino e heterossexual. Na nossa, é muito difícil porque ele é objeto de chacota, ironia e deboche e isto complica muito a vida de muitas pessoas.

Então, não é raro que casais, por exemplo, que se dão mal, ou que não estão tão bem sentimentalmente têm uma vida sexual boa. Isto não é medida de que o amor está sólido, está convincente, também não é raro que a vida sexual se empobreça dentro de certas relações de qualidade, o que também não é sinal de que o amor esteja prejudicado. É preciso separar muito claramente os dois fenômenos, para que possamos compreender melhor, e principalmente entender que muitas vezes, por exemplo, há indicações derivadas da atitude da sexualidade, ou seja, de como se processa a sexualidade.





Quando um casal tem uma vida sexual legal, sendo que a mulher é do tipo mais generoso e o homem, talvez, um tipo mais egoísta, este tipo de relação conjugal que representa metade dos casamentos, ou quase, a outra metade sendo a mulher tipo egoísta e o homem generoso, é muito triste, mas a verdade é que 90% dos casamentos se dão entre pessoas diferentes. O tipo mais generoso é aquele bonzinho, calmo, panos quentes. O tipo egoísta é o mais estourado, mais agressivo, gosta mais de receber do que de dar, é tipicamente o garanhão, não muito confiável, mas, muito atraente para as mulheres, e principalmente, muito atraentes para as mulheres boas.

Enquanto as mulheres generosas gostam, admiram e valorizam este tipo de marido, elas não tem nenhum problema sexual, porque mulher generosa dá! Dá, inclusive no sentido literal da sexualidade. Mas, é um tipo que dá com mais facilidade. A mulher mais egoísta, normalmente casada com um homem generoso, já não dá com tanta facilidade. Ela irá regular, negociar, dar quando achar conveniente, outras vezes não tanto, e muitas vezes os homens se sentem muito magoados, humilhados e rejeitados por baixo, incomodadíssimos com o fato delas não terem esta disponibilidade sexual. Ficam então empenhados em cada vez serem mais legais, mais amorosos, mais dedicados, para ver se finalmente elas queiram dar. E quanto mais elas percebem o mecanismo deste tipo mais elas não dão, a não ser de vez em quando, na proporção exata para eles não caírem fora.

O marido mais bonzinho, em geral, tende a ser mais monogâmico mais fiel. Este tipo de arranjo mostra que o tipo que ama mais intensamente, que é o generoso, tanto o homem quanto a mulher, são mais dedicados e interessados sexualmente, curiosamente são assim, quando o parceiro é do tipo oposto. Porque se houver uma aliança entre um homem generoso e uma mulher generosa, a coisa complica. O homem generoso com uma mulher generosa teoricamente seria uma maravilha, mas não raramente o homem, nestas condições, começa a ter a vontade diminuída. Parece ser chocante, mas a maior parte dos casais que se dão bem, tem uma vida sexual relativamente pobre. Por isso dizemos que não se deve tomar a sexualidade como referencia da qualidade da relação e, portanto nem mesmo como indicativo do que irá acontecer no futuro do relacionamento efetivamente. Portanto, o problema da relação amorosa é diferente e deve ser tratado em separado da questão da sexualidade. Muitas vezes a sexualidade vai bem e o casamento não vai tão bem quanto aparenta, até porque esta mulher generosa que dá e que tem uma vida sexual legal com esse marido mais folgado, mais egoísta mais estourado, etc, esta mulher, se perder a admiração por ele, ela trava também sexualmente. E aí sim, é sinal de que o problema afetivo está se tornando mais sério.

Então, voltando à questão anterior, o amor tem, na vida adulta, entre aspas, tem características muito infantis. No amor adulto há uma substituição. Sai a mãe e entram outros objetos. Cada vez um, pois os objetos do amor são muito bem definidos. Porém, o mais importante é entender que este objeto “adulto” representa o mesmo fenômeno, o mesmo papel de aconchego, de remédio para desamparo, remédio de sensação de incompletude, e, portanto, continua sendo prazer negativo, absolutamente necessário, aonde existe uma dependência, muitas vezes possessividade e ciúme. Mas estas características mais imaturas do amor infantil costumam estarem sempre presentes no chamado ‘amor adulto’, ou amor romântico adulto, até o vocabulário, os casais que se amam, costumam se chamar por palavras típicas, do jeito que tratamos os bebezinhos: amorzinho, fofinho. Todo mundo faz biquinho pra falar um com o outro. O vocabulário é extremamente limitado, e parecido com aquilo que qualquer bebezinho falaria, se soubesse, para a mãe: você é o máximo. Não existo sem você. Morro sem você. Você é incrível e maravilhosa, etc. E assim por diante. É um vocabulário muito limitado, mais do que o que se espera. O discurso é muito pouco original e sempre repetitivo. De todo modo, a escolha do objeto adulto, que vai substituir a mãe se dá de acordo com o critério de admiração. O amor deriva da admiração. Platão, em “O banquete” já havia escrito isso no século V a.C. O problema é que este critério de admiração pode se modificar com o passar do tempo. Isto é uma das variáveis que podem levar o fenômeno amoroso à colapso em algum instante da relação.

Eu sou um menino tímido, desajeitado, com dificuldade no trato social, envergonhado. Admiro então, no geral, uma pessoa que seja o oposto de mim. Quanto mais baixa minha auto-estima, maior é a tendência em admirar o meu oposto. Então, se não gosto do meu jeito de ser, eu vou me encantar com meu oposto. Vou achar graça numa mulher extrovertida, exuberante, falante, muito mais agressiva, estourada, muito mais competente para abrir portas. Esta competência depende da competência para fechá-las depois. Quer dizer, as pessoas que deixam entrar muito facilmente amigos em casa, que recebem com muita facilidade, são aquelas que sabem mandar embora depois. Quem não sabe costuma adotar uma barreira já na entrada, para impedir que haja qualquer tipo de intimidade maior, porque, senão está criado um ‘abacaxi’ que a pessoa depois não sabe resolver. Então o tipo mais extrovertido é muito sociável, pois ele é muito grosso também, pois sabe mandar embora. De todo modo, admiramos muito este tipo de pessoa, que possui esta fluência neste trato social.

Pode ser que, com o passar do tempo, eu veja, vendo mais de perto, vou conhecendo melhor os defeitos e as características próprias dessas pessoas que às vezes são menos sinceras, talvez tenham uma agressividade descontrolada, baixa tolerância à frustração e contrariedade, se estouram e ficam muito nervosas com pequenas contrariedades, então vou vendo enfim os pontos fracos dessas criaturas, e eu posso perfeitamente vir a deixar de admirar tanto este personagem.

Com o passar dos anos, eu posso também começar a gostar mais do meu jeito de ser, o que é quase que automaticamente presente. Quando desaparece a admiração pelo outro tipo, melhora a avaliação que eu vou fazer do meu jeito de ser. Mais quieto, mais reservado, começo a achar isso legal, aos 20 anos, ser quieto e reservado é uma coisa horrorosa. Mas aos 40, já pode ser algo bastante valorizado, pode ter outras vantagens, o indivíduo pode estar mais conciliado com suas características, mais bem sucedido profissionalmente, um pouco mais seguro do seu jeito de ser. Neste momento, ele pede a admiração pelo oposto. E se perder a admiração pelo oposto, o amor cai junto. Então, o amor depende basicamente da admiração. E a perda da admiração é que é o maior problema. Aí, quando não há nenhuma mudança, quer dizer, eu continuo do meu jeito, e a outra pessoa continua do seu jeito, e, na realidade o que acaba acontecendo é que em um dos dois ou nos dois , modificam-se os critérios de admiração. A pessoa é igual, mas, aquilo que eu achava legal, não acho mais. Não valorizo mais aquele tipo de pessoa. Então aí, o sentimento amoroso realmente despenca. Quase sempre, este processo é curioso, porque o sentimento amoroso vai despencar pelas mesmas razões que ele subiu. Ou seja, vou me desencantar pelas mesmas razões que um dia eu me encantei. Vou perder o interesse porque, a pessoa não é aquilo que eu gosto hoje, mas é por ela continuar a ser exatamente aquilo que eu gostei a 10, 15 ou 20 anos atrás. Então, neste caso, os sentimentos amorosos e os encantamentos, e eventualmente, a própria relação conjugal, que também finda o amor, não é sinônimo imediato de fim do relacionamento conjugal, a separação vai ocorrer em decorrência do mesmo motivo que houve o casamento.

Outras vezes, a perda de admiração não se dá por causa disso, mas, porque, com o passar dos anos, um dos dois evolui intelectualmente, socialmente, ou mesmo profissional e financeiramente muito mais, e o outro não acompanha. Ou seja, um dos dois vai ficando aquém daquilo que ele pretende pra si num momento posterior. Começaram o jogo da vida na mesma posição mas um dos dois progrediu mais do que o outro que ficou mais ou menos estacionado, não acompanhou, isto também acaba por determinar o fim da relação mesmo que não aja, uma grande diferença de caráter.

Outras vezes, é porque ao longo dos anos, pode acontecer também das pessoas terem projetos de vida discrepantes. Digamos que eu me case com uma médica, e tudo muito bem, de repente eu decido, 10 anos depois que eu quero ser parte do grupo dos Médicos sem Fronteiras, e minha mulher não tem o mínimo interesse em ir realizar filantropia no meio da África. Então, naturalmente a separação irá se impor em decorrência de divergências radicais de projetos, tanto profissionais como religiosos. Um dos dois resolve mudar de religião e assume um certo radicalismo naquela religiosidade, mas que enfim, há uma discrepância muito grande por que um dos dois mudou de posição em relação a um assunto que é absolutamente relevante para o cotidiano das pessoas, porque muda o estilo de vida. Isto, evidentemente, pode ser fator de bloqueio e de fim da admiração.

Outros problemas também podem determinar desgaste da relação. Problemas relacionados à educação dos filhos: um é mais permissivo, o outro é mais rigoroso. O permissivo se irrita com o rigor do rigoroso, o rigoroso se irrita com a permissividade, e fica uma briga pra saber quem tem a razão. Se tiver dois filhos, um fica mais parecido com o pai, outro com a mãe, especialmente quando mãe e pai são diferentes, e isto cria outra vez, uma atmosfera de tensão dentro do contexto.

Muitas vezes, também, as brigas são por dinheiro. Há diferenças na maneira de gastar o dinheiro. Eu já vi pessoas brigarem feio, e um dos dois implicar terrivelmente com o cônjuge por este gastar demais. Quando falta dinheiro, nem se fala. Aí o problema é muito mais grave muito mais complicado. Nem sempre existe respeito e tolerância. Quando por exemplo, há diferenças de ganho, em que, principalmente a mulher começa a ter uma carreira com mais ganhos que o homem, muitas vezes isso cria constrangimento ao homem, às vezes até uma certa agressividade e até tendência da mulher a humilhar seu parceiro, querendo inverter a hierarquia do poder. Há problemas complicados neste item da relação conjugal e isto é um problema que tende a ser eliminado no futuro, porque, hoje nas universidades 60% do público que freqüenta são mulheres. Então, se for verdade que quem estuda mais tende a ganhar mais, daqui a muito poucos anos, a média dos casais é que as mulheres estejam ganhando mais que os homens. E como é que os homens e as mulheres vão se haver com isso, saberemos oportunamente, mas eu tenho minhas dúvidas sobre se as mulheres continuarão a ter tanta pressa de casar como tiveram no passado. No passado, sempre os homens é que não tinham muita pressa de se casar, e casaram meio que por obrigação, enquanto as mulheres tinham o sonho de se casarem e terem filhos. Vamos ver se vai continuar sendo sonho casar e ter filho, e sustentar o marido também.

Os homens, sempre que pensam em se casar e ter filhos, eles pensam nesta responsabilidade financeira que vem acoplada – talvez uma das razões pelas quais eles não tenham tanta pressa em se comprometer. E hoje, segundo eu ouço, as mulheres estão muito incomodadas com o fato de que os homens, especialmente depois de uma certa idade, não querem saber de compromisso mesmo. E até daqui a pouco acho que vão começar a querer, pois justamente as moças estarão ganhando o suficiente para isto vir a tornar-se interessante pra eles e, provavelmente, as moças é que não vão ter tanta necessidade ou pressa de compromisso. As vezes a pressão na direção do casamento feminino é maior por causa da questão da reprodução dos filhos. Então, há a vontade de ter filhos, chegando pelos 30, trinta e poucos anos, elas começam a ficar nervosas porque ainda não casaram, daqui a pouco acaba o período mais fértil, etc., e então elas começam a ficar perguntando “onde é que estão os homens”? Não sabemos, muito bem, como responder, pois segundo elas, chegam, acham todas ótimas e vão todos embora. Então, há problemas hoje para que se possa efetivamente acertar estes ponteiros. Aliás, após uma certa idade fica mais complicado e melhor, porque a tendência pra melhorar os critérios de escolha aumentam, ou seja, quando essas pessoas de mais idade conseguem encontrar parceria quase sempre são parcerias de qualidade melhor, e vão implicar em casamentos talvez de mais longa duração. O amor não resiste a qualquer tipo de contratempo. O amor tem que ser tratado de uma maneira muito delicada. Acabou a admiração, o problema sentimental aparece. Às vezes, acontecem coisas incríveis que não levam as pessoas a perderem totalmente a admiração, ou então, surgem variáveis um pouco mais complexas que isso. Um desses fenômenos é o da infidelidade conjugal. A maior parte das pessoas afirmam que, se caso aconteça a infidelidade, definitivamente é imperdoável. Entretanto, na hora que acontece mesmo, não costuma ser assim. A idéia de ficar sozinho é uma idéia aflitiva, e também porque às vezes se cria um clima de desafio, do tipo “o que é que aquela lá tem que eu não tenho?”, então começa inclusive a melhorar, às vezes intensivamente, a vida sexual do casal, pois o ciúme é um grande afrodisíaco. E não freqüentemente, as histórias se prolongam, porque aquele que foi traído acaba tomando a infidelidade como um desafio, ou competição. Além disso, existem outros assuntos que complicam a vida dos casais, um destes é o sexo virtual. A internet hoje é um fator de tensão e desagregação, pois cada vez mais  gente, homens e mulheres freqüentam os sites de relacionamento, sites eróticos, pornográficos, enfim, tem aí um sexo virtual, que ninguém sabe definir com precisão se é infidelidade. É uma fronteira que está crescendo muito e confirma cada vez mais a idéia de que o sexo é um fenômeno pessoal, quer dizer, o outro, é só um estímulo para ‘imaginar’ coisas e eventualmente ter a resposta orgástica ou ejaculatória. No caso das pessoas serem pegas em flagrante neste tipo de atividade, é sempre um constrangimento, e todos prometem nunca mais fazer, etc., e são todos reincidentes e todo mundo é pego outras vezes.

De todo modo, quando quebra a admiração, quebra o fascínio. Por infidelidade, por ciumeira exagerada, por perda de admiração por mudança de critério de valor, porque as pessoas se divergiram em projeto de vide, de todo modo, isso implica em separação. Muitas pessoas ficam juntas, mesmo depois que a vida sentimental está empobrecida. Até hoje, muita gente continua junto, depois que a vida sentimental está esvaziada. Então, dá a impressão de que o número de casais que vivem juntos é de 30, 35%, então, que o divórcio existe em 2/3. Não é verdade. Dentro destes 30, 35%, há 2 tipos: aqueles que vivem juntos ainda insistindo em reformar o outro, ao invés de fazer força para fazer ele crescer e evoluir. Não funciona. É um esforço inútil. Outros não querem reformar nada, só estão acomodados, compartilhando o espaço físico, compartilhando o convívio com os filhos, as comodidades da vida cotidiana, deixando a vida passar, numa boa, esperando apenas, uma hora oportuna para uma eventual separação. Às vezes, esta hora oportuna significa o crescimento dos filhos, as vezes estabilidade financeira, as vezes o encontro de um outro parceiro sentimental, porque assim se pode separar sem ter que passar pelo buraco de ficar sozinho. A maior parte das pessoas lida muito mal com a solidão, e principalmente, com a dramática sensação de dor, correspondente ao ‘momento’ da separação. Isto nem dever ser chamado de solidão, porque é um momento agudo em que há a ruptura, e este momento é uma dor aguda e que as pessoas, experimentam por 2 ou 3 dias, não agüentam a solidão e voltam correndo. É errado, pois não é a dor da solidão, é a dor da ruptura, a dor que ocorre na transição. A dor da solidão é a que vai haver depois (se é que vai ter dor) que ele se acomodou e se acostumou a estar sozinho. Na ruptura há uma dor da transição. Toda dor maior, assim como todo prazer, só acontece mesmo é na transição, depois a pessoa se acomoda. Não é que essa acomodação não signifique a existência da sensação de incompletude, aquele buraco que teoricamente o outro preenchia, mas se o relacionamento está muito desgastado, o outro já não está preenchendo muito bem o buraco e a sensação de incompletude já está forte e presente.

E o que acaba acontecendo nesta transição é uma dor muito forte, talvez maior para o homem do que para a mulher, não espanta, que a maior parte das vezes, a iniciativa da separação seja da mulher, não só porque a mulher seja mais competente para ficar sozinha (o que é uma verdade), mas também porque a mulher fica em geral na casa, com os filhos, ou seja, ela fica com um ‘entorno’ menos prejudicado. A separação pro homem significa em geral ele sair do sistema, ele ir para um flat ou para a casa de um amigo, enfim. E a situação da mulher é mais confortável neste ponto de vista. Naturalmente, isto num primeiro instante. Não há nenhuma garantia que isto não seja depois muito mais interessante para o homem do que para a mulher. Mas num primeiro momento, pode ser que seja mais complicado e mais difícil para o homem.



Como regra, o homem fica menos bem sozinho, porque os homens parecem que em casa, sozinho, ficam totalmente perdidos. A casa é um lugar, que parece mais do que tudo feminino, porque as mulheres se ocupam, se entretêm, elas tem aquele espaço como delas. Os homens, mesmo quando casados, e as mulheres estão, por exemplo fora, com os filhos, eles chegam em casa, vêem aquilo ali, e saem todos para a rua. Não é porque sejam apenas malandros. É porque não sabem ficar em casa sozinho. Fazer aquilo que fazem, quando a mulher está lá, ou seja, abrir jornal, ligar a televisão e não dar bola pra ninguém, eles não sabem fazer quando ela não está! Então, vão pra rua encontrar os amigos, pode até ser que vão atrás de mulher, mas depois vão atrás dos amigos, pra jantar, pra bater papo.

Este preparo para viver só, para aprender a lidar melhor com o estar sozinho, ele é mais do que tudo, um preparo que tem que acontecer com os homens. Em nossa sociedade, nem os homens, nem as mulheres são muito treinados para isso. Nos países do primeiro mundo, os jovens saem de casa, vão para as universidades, fora das suas cidades, e eles vão viver em campus, em bandos, em república de estudantes. A regra aqui é que as famílias fiquem aninhando seus filhos até que eles se casem, mesmo quando isto significa aninhá-los até uma idade tardia, até por causa das dificuldades que os jovens, muitas vezes, encontram para ganhar a vida.

De todo modo, aprender a lidar com a solidão é uma coisa importante, mas aprender também com a experiência. Todo indivíduo que fez uma relação afetiva intensa, quando a história e a relação se rompem, é preciso refletir, é preciso entender porque as coisas aconteceram, é preciso tentar, efetivamente, fazer uma autocrítica, entender onde a gente errou como pessoa, onde erramos com as escolhas, onde nos tornamos dependentes demais, onde a gente tem que se tornar mais independente, e respeitar um pouco mais a individualidade da gente.

O mundo moderno, que felizmente está contribuindo para que as pessoas aprendam a lidar melhor com a sua identidade e individualidade, este mundo moderno é mais individualista. Muitos criticam o individualismo como defeito. Eu vejo exatamente o contrário. Acho o individualismo uma coisa ótima, uma coisa positiva que está ajudando as pessoas. O individualista é mais em direção do justo, nem generoso, nem egoísta. Dá menos ênfase à questão do amor, deste amor infantil, de tanta dependência. O individualismo puxa as pessoas para relações entre pessoas mais parecidas, onde o amor evolui mais em direção às amizades, onde o amor ganha conotações muito mais adultas, pois a amizade significa afinidade de caráter intelectual, e não um aconchego físico, mas intelectual, que é mais sofisticado do que o ‘colinho materno’, que a gente no fundo nunca abre mão também, porque dormir abraçadinho numa noite de frio é sempre uma coisa muito interessante.

Mas isto não pode ser a base da vida de um casal. É preciso que o aconchego principal derive das afinidades intelectuais. E se derivarem das afinidades intelectuais e do respeito pela individualidade que vem crescendo, estamos falando de um novo tipo de romance, daquilo que eu tenho chamado de mais amor, que é o amor que se aproxima das amizades, que são relações de qualidade, baseadas em afinidades, e que tem um futuro muito mais promissor do que os relacionamentos entre opostos que, como regra, em algum momento, a admiração cai, quebra, e o amor se vai.

Sobre as coisas bonitas sobre o amor, ah, sobre este tema falamos numa outra oportunidade.



Flávio Gikovate

A separação amorosa continua sendo uma das mais dolorosas que existe. Ela pode ter aumentado com a crise mundial, mas – independentemente disso – conhecê-la mais de perto ajuda a lidar melhor com as rupturas (conjugais, profissionais, mundiais) que estamos vivendo. Como aprendo a me levantar de uma traição, de um abandono, de uma separação?

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