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terça-feira, 19 de março de 2013

Conscientizar-se da própria sombra




Otávio Leal
 
 


"Prefiro ser íntegro a ser bom."
C. G. Jung

“Sombra: chama-me de irmão,
para que eu não tema aquilo que busco.”
Anônimo

“Vergonha, culpa, orgulho, medo, ódio, inveja, carência e avidez são subprodutos inevitáveis da construção do ego. Eles estimulam a polaridade entre o sentimento de inferioridade e a vontade de poder. Eles são os aspectos da sombra da primeira eman­cipação do ego.”
Edward C. Whitmont

“Passamos nossa vida, até os 20 anos, decidindo quais as partes de nós mesmos  que poremos na "sacola", e passamos o resto da vida tentando retirá-las de lá.”
Robert Bly

     Medite sobre o que mais o incomoda em relação às pessoas. Não aspectos superficiais, mas algo que realmente você abomine, odeie. Talvez seja ingratidão, traição, injustiça, ciúme, medo ou impaciência. Reflita. Você já pensou por que odeia isso?

      Agora espero de você muita coragem.

      Será que aquilo que o incomoda em relação aos outros não é algo que está aí, escondido dentro da sua mente? Talvez tão escondido que agora esteja inconsciente?

      Jung dizia: "Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a um conhecimento de nós mesmos". Vamos mais fundo nessa questão.

      Toda criança é total ao nascer. É inteira, mas no decorrer da vida começa a se dividir. Ela é influenciada pela sociedade, pela religião e pela família, começando a negar algumas características consideradas más. É a qualidade, o jogo do que é bom ou mau. Com a chegada da maturidade, ela já negou muito de sua personalidade real. Esconde uma parte de si, acha pecado, errado e sujo algo que é dela, e tudo o que é rejeitado fica escondido ou guardado no inconsciente.

      Isso se chama sombra, é tudo o que negamos na busca absurda de sermos perfeitos para os outros, com um eu ideal. Um exemplo é a história O médico e o monstro, do Dr. Jekill e Mr. Hyde. Dentro do bondoso médico ficava escondida a sua sombra, como o monstro, Mr. Hyde. Também encontramos exemplo da sombra no livro O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. O jovem Dorian faz um pacto com o diabo para sempre ter uma beleza impecável e assim todos seus traços de envelhecimento físico além de egoísmo, obsessões, crueldade, cinismo seriam transferidos para um retrato de sua imagem jovem e perfeita.

      Esse retrato é guardado e ninguém o vê, a não ser Dorian, quando curioso, e ele vê o retrato cada vez mais feio, repugnante e cada dia mais velho.

      Assim é a nossa sombra. Como Dorian, desejamos mostrar uma face harmoniosa, amável, inteligente, e escondemos os nossos verdadeiros sentimentos, aqueles dos quais você se envergonha.

      É claro que devemos procurar preservar de nossa sombra as pessoas com quem nos relacionamos, senão criaremos confusões todo o tempo. O que não podemos é negá-la para nós mesmos, até porque ela possui aspectos muito positivos.

      Todos temos uma máscara, que é a imagem que passamos para o mundo. Na astrologia nós a chamamos de ascendente, que é como as pessoas nos vêem, é nosso impulso, a personalidade adquirida com a vida e por meio da qual transmitimos aquilo que temos de melhor. Chama-se persona na psicologia e é como gostaríamos que todos nos reconhecessem. Por exemplo: no namoro superficial colocamos nossa persona, enquanto num relacionamento mais profundo acabamos por mostrar nossa sombra.

      Fazemos com que nosso eu se divida em três partes:

o "eu perdido" - tudo o que reprimimos para agradar "aos outros";
o "falso eu" - a imagem que criamos para agradar "aos outros";
o "eu negado" - a parte que "os outros" nos ensinaram ser negativa e por isso é negada. São exemplos: egoísmo, raiva, desejos sexuais (reprimidos), vingança, "erros do passado", culpa (que não cria nada), traição, falsidade, desejo de poder, mentiras, nossas brigas com Deus / Deusa, "pecados", vergonha, etc.
     É provável que você tenha a maioria dessas características e outras mais. E não é só você. Todos são assim. Reconheça isso.

      Jung sabia que a sombra é perigosa quando não reconhecida, pois projetamos nossos aspectos destrutivos no mundo e nos outros e somos inteiramente escravos dela até que domine nossa mente e passemos a pulsar somente ódio, tristeza, julgamentos, dor, reclamações, etc.

      Começamos a ver defeitos em todas as pessoas, julgamos e enxergamos a sombra de nosso vizinho, da religião que não seja a nossa, de outra cultura, mas não vemos nossa sombra.

      Muitas das "guerras espirituais" ou "religiosas" acontecem exatamente por isso. Vemos trevas em tudo e essas trevas são projeções do que temos em nosso interior. Atos impulsivos que depois geram arrependimento. Situações em que se humilham os outros. Raiva exagerada em relação aos erros alheios. Depressão quando se olha para dentro.

      Francisco de Assis era sombra e luz, mas escolheu o caminho de luz; Hitler era sombra e luz, mas escolheu o caminho da sombra. Hitler tinha a semente de Francisco, mas Hitler se tornou Hitler. Francisco tinha a semente de Hitler, mas se tornou Francisco. Francisco trabalhou sua sombra e tornou-se um mestre, que é ícone de compaixão, tolerância e amor à vida.

      Esse é um trabalho para toda a vida e, como recompensa, nos permite perdoar aos outros e a nós mesmos pelo que achamos mau, pois a compaixão e a tolerância iniciam-se conosco e expandem-se para o próximo.

      A sombra é muito primitiva. Vem de um passado remoto, desde, talvez, o surgimento dos hominídeos. Está em nossa mente e corpo e é chamada também de memes. No livro O gene egoísta, Richard Dawkins diz que os memes são "núcleos de informação ou energia que têm vida própria, irradiam comandos, instruções, programas culturais e normas sociais para as pessoas" e se transmitem por meio de cultura, fofoca, religião, livros, filmes e tudo o que contribui para aumentar nossa sombra individual e cultural. A fofoca talvez seja um dos piores memes - a fofoca de dentro, a fofoca de fora.



      O meme é algo tão poderoso que irradia sua influência de uma mente para outra de forma quase instantânea. É assim que as idéias se propagam. Da mesma forma como os genes estão para a genética, os memes estão para a memética. E assim como o DNA é o replicados biológico, o meme é o replicados cultural. Ideias sombrias e limitadas podem ser ensinadas pela escola (que também tem um lado sombrio):

     O jornal Philadelphia Inquirer de 11 de junho de 1988 informava:

     A União Soviética, declarando que os manuais de História ensinaram a gerações de crianças soviéticas mentiras que envenenaram suas "mentes e almas", anunciou ontem o cancelamento dos exames finais de História para mais de 53 milhões de estudantes.

     Ao anunciar o cancelamento, o jornal oficial Isvestia informou que a extraordinária decisão visava pôr um término à transmissão de mentiras de uma geração para outra, processo esse que consolidou o sistema político e econômico stalinista que a atual liderança pretende encerrar.

     "A culpa daqueles que iludiram uma geração após outra... é imensurável", declara o jornal num comentário de primeira página. "Hoje estamos colhendo os frutos amargos da nossa própria lassidão moral. Estamos pagando por termos sucumbido ao conformismo e, assim, dado nossa aprovação silenciosa a tudo aquilo que hoje nos enche de vergonha e que não sabemos explicar honestamente aos nossos filhos."

     Portanto, quando pensamos que temos uma idéia, na verdade são as idéias que nos têm. Faço essa colocação para que você entenda que muitas vezes somos hospedeiros de idéias, opiniões ou crenças nem sempre benéficas a nós, mas vantajosas a elas mesmas. E assim elas passam a formar nossa sombra.

      Quanto mais felicidade e criatividade adquirimos na vida, mais a sombra aumenta. Quanto mais luz, mais sombra e escuridão. Todos os gênios da humanidade tiveram sombras muito fortes. Quanto mais luminosa a personalidade consciente, maior a sombra. Portanto, não projete sua sombra em outro. Perceba essas projeções, uma limitação sua.

      Muitos pais se projetam nos filhos, exigindo aspectos de perfeição que eles mesmos não tiveram na vida.

      Há pessoas que trabalham com o chamado pensamento positivo. Mentalizam: "isso é positivo, isso é positivo, isso é positivo" ou "eu sou luz, eu sou luz, eu sou luz" ou "sucesso, sucesso, eu tenho sucesso". Trabalhar assim com a mente pode ser benéfico, mas por um período pequeno de tempo. Achar que tudo é positivo pode fazer com que neguemos nossa própria sombra e os aspectos egoístas e perversos.

      Os que não têm essa válvula de escape para colocar para fora tudo o que é negatividade, fazendo uso de atitudes bem-humoradas, das brincadeiras, do lúdico, do prazer e principalmente da forma de interpretar situações difíceis com bom humor, possuem a sombra reprimida, o que gera sentimentos exagerados de posse em relação aos outros.

      Alguns espiritualistas teóricos e religiosos intolerantes têm um discurso cheio de palavras lindas como amor incondicional e fraternidade, mas só na teoria. Não amam nem uma pessoa, quanto mais todos, incondicionalmente. Escondem a pior de todas as sombras - o fanatismo religioso, a intolerância com os companheiros de crenças diferentes.

      O filme francês “O oitavo dia”, é sobre um motivador de comportamentos positivos. Conheço motivadores e religiosos que não se auto-investigam e, inconscientemente, tentam passar aspectos positivos para a vida de seus seguidores. Contudo, suas palavras são agressivas, duras e inflexíveis, notam-se neles atitudes e gestos treinados, decorados, nada espontâneos ou que venham do coração. O suposto sucesso que atingem ocorre porque seu público é formado de pessoas iludidas que gostam de dor e humilhação. Além, claro, das promessas de soluções rápidas e fáceis.

      Nossa luz e nossa sombra criam contradições em nossa alma. Qual caminho seguir? O que eu quero ou o que os outros querem de mim?

      Todas essas dúvidas nos remetem ao nosso lado sombra, já que é ele que detém todas as chaves de nosso auto­conhecimento, todos os nossos segredos.

      Mas é bom não confundir a sombra com o ego negativo. Enquanto a sombra faz parte do ser real, pois nos faz olhar para nosso íntimo e nos descobrir na totalidade, o ego negativo é o ser idealizado e aquele que diz: "Não seja autêntico, seja aceitável". "Não se exceda, seja medíocre, seja normal."

      O ego muitas vezes nos ilude, mente, enquanto a sombra nos coloca diante da própria verdade porque ela sempre esteve conosco, desde o nascimento. E como sempre esteve conosco, ela se constitui de tudo aquilo que insistimos em negar e desconsiderar ou daquilo que nos recusamos a aceitar em nós mesmos.

      Não agimos assim porque queremos, mas porque desde criança tivemos que nos adaptar para sobreviver. E fomos ensinados a esconder não somente coisas escuras, feias, que a sociedade diz que são pecaminosas, terríveis, imorais, mas também as coisas boas, por causa das mensagens que recebemos: "Não seja curioso"; "não seja tão honesto"; "não viva tão em contato com seus sentimentos"; "não seja tão criativo"; "não seja tão sonhador"... E assim fomos ensinados a construir nossa "auto-estima".

      Por isso o lado sombra é tão rico. E é, somente penetrando na própria escuridão, que você poderá transformar-se, poderá transitar da antiga para a nova forma, livrando-se de seus temores e vergonhas, fracassos e dores. E, somente assim, poderá descobrir sua verdadeira força, seu poder, seus talentos e... sua alma.

Este artigo não está na íntegra, para vê-lo em sua íntegra vá no site original em:
http://www.humaniversidade.com.br/boletins/encontro_com_sombra.htm

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