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quarta-feira, 15 de maio de 2013

O Casal Como Centro da Civilização





Carlos Cardoso Aveline

O casal humano é a fonte e o centro das civilizações. A vida a dois resume em si o processo da humanidade.  Para saber como vai a saúde de um grupo social, basta examinar como está o casal que forma sua base.

A relação entre homem e mulher é tão vasta quanto o imenso potencial humano para o bem, mas pode se tornar uma prisão quando há ignorância e injustiça. Ali encontramos o céu, a terra e – às vezes – o inferno. Nesta perigosa relação de amor convivem confiança e medo, dor inesperada e êxtase supremo, poder ditatorial e democracia, individualismo e altruísmo, amor e ódio, ajuda mútua e competição. Quando for compreendido o caráter sagrado do amor entre um homem e uma mulher, a humanidade recuperará sua felicidade primordial.

Nas últimas décadas, o casal humano tirou sua camisa de força institucional e tornou-se mais leve e dinâmico, embora também tenha ficado mais frágil. A tendência a partir de agora é ir além desta flexibilidade meramente externa, que nos permite romper sem traumas demasiado devastadores um casal que já não se sustenta. A tarefa do momento é construir casais psicologicamente flexíveis, isto é, capazes de aprender com rapidez, de modo que os erros do homem e da mulher sejam corrigidos enquanto são pequenos, e a felicidade possa ser construída de modo mais eficaz e duradouro através da inteligência emocional, do altruísmo e da sensibilidade.


Na mesma linha de trabalho, diversas organizações sociais voltadas para a libertação da mulher vêm discutindo o chamado pós-feminismo. Depois de imensos progressos contra o chamado “machismo” patriarcal, setores ligados ao feminismo histórico vitorioso parecem descobrir, afinal, que a mulher livre e feliz deve amar e ser amada, e que não pode haver vida inteligente sem uma boa parceria entre homens e mulheres. Essa tendência de pensamento ocorre em meio a fatos culturais e transformações sociais que estão recuperando o prestígio aparentemente perdido pelo casal durável, e permitem antever o surgimento de uma nova família mais sólida e mais sábia (1).


A interação entre masculino e feminino não é fonte de vida apenas no reino humano, mas ocorre também em dimensões cósmicas e nos processos do mundo natural. Cada relação entre macho e fêmea é um resumo microcósmico da relação gigantesca entre as forças vitais expansivas e receptivas da natureza. O manuscrito Huarochirí –  um dos principais relatos tradicionais da  sabedoria divina dos povos andinos –   ensina que  Chaupi Ñamca, a suprema divindade feminina, é o espírito do vale  e das terras baixas, enquanto que Paria Caca, a divindade masculina, é uma montanha. A mulher recebe o homem como o vale recebe a água do rio.  O macho, a montanha, irriga a terra do vale para que ela dê frutos e vida. Há correspondências perfeitas entre o céu e a terra ou o cósmico e o individual (2).  A sensação de êxtase presente no amor humano  surge da percepção não-cerebral e da sintonia ou alinhamento do afeto terrestre com o amor maior que move o universo.  A parte mergulha no todo oceânico de onde um dia surgiu e esquece de si no êxtase que isso causa.



O feminino é estável e abriga a vida dentro de si; o masculino é transcendente, às vezes imprevisível como as tempestades do céu. Ele necessita descarregar amorosamente sobre a terra o excesso das suas energias acumuladas. Assim se dão a fecundação e a irrigação. Os arquétipos mais profundos do masculino e do feminino têm sua vida dinâmica no cosmo. Mulheres e homens  abertos à dimensão espiritual da vida devem manter contato consciente com estas fontes de inspiração eterna. Cada homem e mulher contém dentro de si os dois pólos do universo em equilíbrio dinâmico, e as formas de combinação das polaridades evoluem o tempo todo. A diferença entre macho e fêmea é apenas de predominância relativa. No homem, a polaridade expansiva é mais forte. Na mulher, a receptiva.

Tudo no universo é eletromagnético: inclusive a evolução das galáxias, a vida das borboletas, a formação da chuva no céu, as batidas de um coração, o funcionamento do sistema solar e os impulsos entre neurônios de um cérebro humano. O fluxo da vida se dá por processos elétricos e magnéticos de transmissão de vontades definidas em torno de polaridades expansivas e receptivas,  positivas e negativas,  ou yang  e yin, nos termos da tradição chinesa. A chave do bem-estar consiste em harmonizar essas correntes elétricas.

Talvez seja errado pensar que o amor, em si mesmo, produz felicidade. Na verdade, o amor produz altruísmo. A prática do altruísmo é que produz felicidade. Em quaisquer relações humanas, quando cada um se preocupa com a satisfação das necessidades do outro, há plenitude e bem-estar.  Por outro lado, a ausência de amor e solidariedade é uma desgraça porque torna as pessoas egoístas,  e  o egoísmo  produz infelicidade. Esta é uma lei que opera em todos os níveis de consciência, do mais alto ao mais baixo. Por isso, por exemplo, o homem sexualmente maduro encontra prazer sobretudo  em dar prazer à mulher amada, e o fato é recíproco.

O indivíduo humano mais feliz não é aquele que é mais amado, mas aquele que ama mais. A infelicidade, por seu lado,  consiste em não ter  prazer de dar prazer ao outro.



Todos sabem que  o amor dá sentido à vida, mas o que é que sustenta o amor e faz com que ele viva para sempre? Quase sempre o afeto não pode durar se não há talento, criatividade, inteligência emocional e, sobretudo, percepção da unidade da vida. Este último item é um ponto sutilmente decisivo. O amor não deve ser um ato solitário a dois, algo a ser defendido contra um mundo externo considerado mau e hostil.  Se queremos recuperar o casal humano como processo vivo e transformá-lo na base de uma nova civilização fraterna e saudável, será necessário resgatar o amor altruísta por toda vida. Esse amor a tudo o que há  surge não só quando estamos apaixonados, mas todas as vezes que nosso afeto por alguém ou por algo – como uma causa ou ideal – é suficientemente profundo. Em nossos casais podemos sentir-nos pais e mães de todas as formas mais jovens  de vida, e irmãos e irmãs de todos os seres humanos.

O amor ajuda a dissolver a noção árida e asfixiante de um eu pessoal separado do resto da vida.  Para o psicólogo Viktor Frankl, o afeto está relacionado com a autotranscendência, isto é, a transcendência dos pequenos interesses do eu inferior. Por um processo de irradiação natural, o casal altruísta deve ser capaz de  construir ao seu redor um mundo melhor, assim como um casal de egocêntricos tenderia a gerar sofrimento e confusão para si mesmo e para os outros.

Naturalmente, quem ama não deseja que o outro viva apenas para satisfazer suas necessidades pessoais de curto ou longo prazo. Ao contrário: cada um tem a responsabilidade de “construir” de certo modo o seu parceiro de acordo com  o melhor potencial que há dentro dele, talvez adormecido. Antoine de Saint-Exupéry escreveu que o amor é o processo “pelo qual eu levo delicadamente o ser amado ao encontro de si mesmo”.

No casal, o homem é filho, pai, amigo, irmão e amante, não necessariamente nesta ordem. A mulher é filha, mãe, amiga, irmã e amante. Todos estes  papéis – e muitos outros – são vividos constantemente. Devemos exercê-los de modo tão consciente quanto possível. Um bom exercício de diálogo seria dizer, um ao outro, como se pensa que estes papéis estão distribuídos, e como se gostaria que eles fossem exercidos. Então se descobrirá que uma mulher pode estar cansada de ser  tão “mãe de família” como tem  sido e gostaria de ser mais “amante”; ou  que o homem está cansado de disputas de poder como se os dois fossem irmãos que brigam para ver quem é mais poderoso ou inteligente.

Além de  cumprirmos simultaneamente diferentes papéis em nossos namoros e casamentos, o amor é um processo que não funciona do mesmo modo nos diversos níveis e dimensões da nossa consciência. Há o amor físico, que vai muito além do ato sexual e inclui também a carícia, a proximidade, a ternura, a ajuda mútua, o prazer de estar por perto. Há o amor emocional, que inclui não só a atração mas a admiração, o querer o bem do outro, alegrar-se com a felicidade dele e entristecer-se com o seu sofrimento. Ao lado disso, no plano mental concreto, o amor se mostra pela sinceridade, pela capacidade de pensar juntos e construtivamente as coisas práticas da vida, pelo hábito de se dizer o que se pensa e pensar bem  o que se diz. O amor no plano mental concreto inclui definir metas de vida e planos de trabalho em comum.

O amor do nível mental abstrato se mostra, por exemplo, pela capacidade de sonhar, filosofar, admirar arte, poesia, ouvir música, caminhar na beira da praia em silêncio ou praticar meditação juntos. É aquele tipo de afeto que está além da forma externa e torna o silêncio uma coisa gostosa. Esse é o amor de manas, a inteligência espiritual, a mente superior que pertence ao eu imortal de cada ser humano. Acima dela está buddhi, a intuição que nos permite perceber em um relance e sem palavras ou pensamentos a necessidade e o sentimento do outro. Essa intuição é também um amor altruísta, incondicional e eterno pela alma do outro. E finalmente há atma, nosso eu ou princípio supremo e universal, que com ajuda de um amor puro dá um sentido poderoso e criativo às nossas vidas individuais. Atma  vê tudo o que há como uma só coisa inseparável. Como podemos distribuir, percentualmente, a energia amorosa do nosso casal através dos vários níveis de consciência? Haverá amor em alguns níveis e rancor em outros?  Em quantas dimensões diferentes podemos fazer amor? Nos níveis superiores de consciência, o amor não cansa. Além disso, é eterno.

Há momentos em que o amor surge espontaneamente. Mas é infantil querer ser levado sempre de carona nas asas leves e irresponsáveis desse sentimento. O desejo superficial leva a uma infelicidade profunda quando insistimos nele. Por isso pode-se dizer que há uma ioga do casal, isto é, uma disciplina espiritual pela qual construímos uma relação de amor correta. Esta ioga consiste em colocar toda a vida do casal no contexto da caminhada espiritual, reconhecendo que tudo o que ocorre no amor, como nos outros aspectos da vida, é parte do nosso aprendizado interior. Quando somos conscientes disso, olhamos a vida a dois com olhos diferentes.

Se limitamos a relação a aspectos puramente mecânicos e materiais de vida, a convivência pode tornar-se um inferno. Todo casal tem possibilidades concretas de deixar de existir como processo de crescimento espiritual, e parece necessário admitir honestamente esta possibilidade para que ele possa viver e renovar-se sempre. O amor é um processo orgânico e -- como tudo que é organicamente vivo-- pode morrer a qualquer momento, soterrado pela rotina ou por uma mudança de interesses de uma das partes. Negar essa verdade é inútil e perigoso.

Examine, por exemplo, seu casal. Veja honestamente quanto por cento dele é feito de prazer sexual, prazer emocional, costume de viver juntos, rotina, interesses materiais concretos, necessidade de sentir a pele do outro por perto e de passar a mão por ela, afinidade intelectual, interesses espirituais e decisão de buscar juntos a verdade suprema da sabedoria imortal. Veja como essas porcentagens mudaram ao longo do tempo, e também como aumentou a sabedoria com que você administra sua vida emocional. A experiência ensina como se pode integrar harmoniosamente  corpo e alma, espírito e carne, céu e terra.

A vida moderna tem colocado grande quantidade de pressões sobre o casal e, na verdade, também sobre todos os vínculos humanos que não têm por objetivo a busca de dinheiro e bens materiais. O casal ressurge hoje mais forte destes desafios, expressando o amadurecimento gradual mas irreversível da alma humana. Como escreveu um dos Mestres de Sabedoria que participaram da fundação do movimento esotérico moderno, “a pureza do amor terreno purifica e prepara para a realização do Amor Divino”. O mesmo Mestre afirmou em outra ocasião(3): “Onde um amor verdadeiramente espiritual busque consolidar-se através de uma união pura e permanente de duas pessoas, no sentido terreno, não há pecado nem  crime aos olhos do grande Ain Soph (o princípio supremo universal), pois esta é somente a repetição divina  dos princípios masculino e feminino, isto é o reflexo microcósmico da primeira condição da Criação. Diante de uma tal união os anjos bem poderão sorrir!”

Este é o casal do futuro.



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Sete Características De Um Casal Luminoso

O amadurecimento espiritual do ser humano vai mudando o relacionamento entre o homem e a mulher e, consequentemente, o resto da sociedade. À medida que avançarmos pelo caminho da evolução, sete fatos caracterizarão a vida amorosa na nova era:

1) O casal se constrói eticamente por seu compromisso  com a sinceridade mútua, e o homem e a mulher estão dispostos a pagar o preço do respeito profundo  e da honestidade entre si.
 
2) O casal percebe que é parte da unidade mais ampla da vida no cosmo. Surge uma parceria em várias dimensões da consciência e que integra harmoniosamente níveis animais, humanos e sagrados.

3) A relação a dois se organiza sobre a base da moralidade que surge da percepção da unidade da vida de tudo o que há. Essa unidade, que é dinâmica, opera através das leis do carma e da reencarnação. A “lei do retorno” recomenda fazer ao outro aquilo que queremos que o outro faça para conosco.

4) No casal, a consciência divina em cada um ama a consciência divina no outro. Homem e mulher percebem que, estando em contato com o que há de melhor em si mesmos, são capazes de  perceber o que há de melhor no parceiro.

5) Sexualmente, o casal evita os excessos de luxúria e da falta de afetividade. No caso da metáfora ecológica da tradição andina, a relação produtiva entre macho e fêmea se dá como na irrigação do solo, que canaliza a água fecundadora para que haja mais vida e mais amor. Este é o caminho do meio e da moderação entre a inundação (luxúria) e a seca (negação do afeto).

6) Os filhos são vistos como “flechas em direção à vida”, na expressão de Khalil Gibran. Os pais não pretendem manipulá-los ou dominá-los, mas procuram amá-los de modo incondicional, preparando-os para vencer eticamente na vida e para encontrar a verdade suprema.

7) O casal sabe que todas as dimensões da vida –  social, econômica, familiar, cultural e pessoal –  devem possuir e expressar um mesmo padrão energético que, no plano mental, se chama verdade, e no plano emocional é amor e solidariedade, mas, no plano espiritual, é a percepção direta da unidade essencial de tudo o que há. Assim, o casal funciona como um centro de produção e irradiação de paz para todos os seres.  (CCA)


NOTAS:

(1) Fundación Género y Sociedad, GESO, Documento de Trabajo nº 11, “Postfeminismo, Conflicto de Sexos o Democracia de Género: la Encrucijada del Siglo XXI”, Enrique Gomáriz Moraga, Apartado Postal 1824 – 2050, San José, Costa Rica.

(2) “The Huarochirí Manuscript”, translation from the Quechua by Frank Salomon and George L. Urioste, University of Texas Press, Austin, EUA, 1991.

(3) “Cartas dos Mestres de Sabedoria”, transcritas e compiladas por C.Jinarajadasa, Ed. Teosófica, Brasília,1996, 295 pp. Ver pp. l89-l90.

Para Ler Mais:

“A Visão Espiritual da Relação Homem & Mulher”, compilado por Scott Miners, Ed. Teosófica, Brasília, 1992, 257 pp. Esse importante livro reúne textos de Dane Rudhyar, J. Krishnamurti, Renée Weber e outros autores.

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extraído de:  http://filosofiaesoterica.com/ler.php?id=270#.UZPxW6LvvNl


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