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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Silêncio, por favor






Silêncio, por favor


Para o neurocientista Iván Izquierdo, há ruídos demais no mundo. E, para saber diferenciar no meio da balbúrdia o que faz diferença, só usando o que se aprende desde pequeno: o bom senso. Ou cantar como Balu, o urso que adora aproveitar a vida no filme Mogli: “Eu digo o necessário, somente o necessário. Por isso que nessa vida eu vivo em paz”. Aos 71 anos, o coordenador do Centro de Pesquisas da Memória da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, e hoje pesquisando “basicamente o que faz com que as memórias persistam por mais tempo”, como diz, Izquierdo defende a necessidade de fazer escolhas – para escapar de tanto ruído.

E sabe do que fala. Ele é autor do livro Silêncio, por Favor, no qual analisa a sociedade contemporânea e os ruídos – os mais variados possíveis – que atrapalham a qualidade de vida. O médico e pesquisador argentino, radicado no Brasil desde 1973, chama a atenção pela produção nada silenciosa: 630 artigos publicados, a maioria sobre a memória, e 18 livros. O mérito consiste em mesclar ciência e humanismo em boa parte de suas obras. Em uma sala coberta de publicações, ele conta, após desligar um rádio, que usa há dez anos aparelho auditivo. “Mas só em um ouvido”, faz questão de reforçar.

Há ruídos demais no mundo, o senhor admite. Mas de onde eles vêm?
Vêm do excesso de informações com que somos bombardeados, o tempo todo, pelas formas mais diversas, e isso atordoa. Os ruídos não são só auditivos mas também visuais, linguísticos e sensoriais. São os sons indesejáveis, que gostaríamos de ignorar para poder atender aos sinais que nos são importantes. No livro que escrevi, cito que no meio da balbúrdia generalizada queremos ouvir a voz que nos chama. A voz é o sinal. Tome-se como exemplo uma entrevista em que os repórteres se juntam todos a disparar perguntas. Quem vai responder, das inúmeras perguntas feitas, só vai entender uma. O restante atrapalha. Quanto ao excesso de informação, no jornal que se lê diariamente, ocorre o mesmo. É preciso selecionar os sinais em meio ao ruído. Quem lê pede “Silêncio, por favor!”. Se quero extrair informações sobre um filme num site, tenho dados em torno sobre todo o restante do mundo. As que realmente podem ser de interesse são poucas. Isso é ruído e é preciso saber escolher, tirar a mosca da sopa. Afinal, não queremos comer a mosca!

Nascemos fazendo barulho, chorando. O ruído, então, não é parte da dita condicão humana?
Não, esse ruído é diferente, é informação. Não é melodia e, como sorriso, é uma forma de expressão. É como avisar alguém que está na rua e vai cair: por vezes, emitimos ruídos considerados fe ios, gritos, mas é uma maneira que se tem no momento de comunicar.

Como os ruídos e o excesso de informacão podem afetar a memória e as emocões?
A memória, o cérebro, querem gravar informações. O que a gente quer é irrelevante. Se o silêncio compete com o ruído, atrapalha diretamente a formação da memória porque o cérebro “escolhe”, por mecanismos diferentes de me mória, a forma desse processamento. Atrapalham a memorização, a percepção e a sensibilidade, nas suas mais variadas combinações, inclusive prejudicando as memórias guardadas anteriormente. Para dar um passo, preciso me lembrar do passo anterior para que possa ter sentido de direção. E continuar, seguir a vida. Na saúde mental, existe uma situação patológica que é a esquizofrenia, em que não se consegue identificar os sinais em meio aos ruídos – percebe-se tudo como importante. Mas, mediante tratamento, como no caso do cientista John Nash, que teve a vida retratada no filme Uma Mente Brilhante, é possível melhorar, levar a vida – inclusive ganhar um Nobel, como ocorreu com ele. Tratando-se de emoções, podem gerar ansiedade e, se ela for demasiada, causar desespero. Com tratamentos apropriados, entretanto, é possível se ver livre do “ruído que vem de dentro”, causado pela ansiedade.

Como se prevenir?
O cérebro, por meio de um sistema chamado “memória de trabalho”, quando não consegue fazê-lo, registra uma espécie de intoxicação e aí entra um processo de confusão. A principal forma de prevenção é se manter atento, aprender a discriminar informação de ruído.

Em que medida as pausas – por exemplo, parar para tomar um café durante o trabalho – são importantes para manter a mente mais tranquila?
Sempre fazemos pausas. É necessário para a percepção correta do que vivenciamos. É como o ponto final nos textos escritos, que usamos para, depois, seguir, passar para outra linha. A vida está cheia disso, caso contrário não conseguiríamos discriminar as memórias porque a capacidade de armazená-las é saturável.




A ignorância é barulhenta?
É muito barulhenta. Há um tipo de desinformação que tem sua origem no desejo de simplificar, reduzir tudo a uma frase de efeito. De tanto interpretar besteiras, às vezes por descaso, às vezes pelo hábito de não prestar atenção, as pessoas se confundem em meio à ignorância emitida até por gente que não é burra, por pessoas que sabem ler e escrever. Temos certos escritores por aí que se enquadram nessa classificação. Os demagogos e os políticos, com suas falsas promessas não cumpridas, que geram desinformação, são outros.

Como reconhecer em meio à balbúrdia, outro termo usado pelo senhor, quem e o quê, no meio dos ruídos, vale a pena?
Utilizando, novamente o bom senso. Muitos fatores, é verdade, influenciam. Mas o que importa é buscarmos afinidade nos relacionamentos, procurar ler, ouvir as músicas de que se gosta, refletir sobre o que é importante ou pelo menos útil. E sorte.

Há o risco de incorporar os ruídos definitivamente ao cotidiano, deixando de percebê-los?
Apareceu, junto com o ruído, o hábito do ruído, o costume de não saber mais ouvir em silêncio. É preciso prestar atenção na volta. É uma questão de educação coletiva. A imprensa desempenha um papel-chave, noticiando o necessário.

Grita-se para que se possa ser ouvido no meio dos ruídos, como numa festa, ou para se defender, se proteger e proteger os demais. Se fico sabendo de uma roubalheira no governo, por exemplo, posso fazer algo, gritar para defender o bolso do contribuinte.

As pessoas sabem conviver com o silêncio?
Não conheço ninguém. Os monges, talvez. Não sei.

Fonte – Vida Simples 76 – 02/2009

Publicado em Saúde


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