Total de visualizações de página

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O Amor nas Relações J. Krishnamurti



O caminho, passando por uma fazenda, galgava um monte, do alto do qual
podiam ver-se várias construções, vacas com seus bezerros, galinhas,
cavalos e muitas máquinas agrícolas. Era uma senda aprazível, por entre matas,
freqüentada pelos gamos e outros animais selvagens, que deixavam seus
rastros, aqui e ali, na terra fofa. Quando tudo estava muito calmo, as vozes
da fazenda, os risos e o som do rádio eram levados a grande distância. A fazenda,
bem administrada, apresentava um ambiente de boa ordem e asseio. Por
vezes, as   vozes se alteavam, raivosas, e seguia-se o silencio das crianças.
Sentia-se uma canção por entre as árvores e as vozes coléricas chegavam mesmo a
interromper esta canção. De repente, uma mulher saiu de casa, batendo com
violência a porta. Dirigiu-se ao estábulo e começou a espancar uma vaca com uma
vara. O som penetrante das pancadas chegava ao alto do morro.

Como é fácil destruirmos o que amamos! Com que rapidez se interpõe uma
barreira entre nós - uma palavra, um gesto, um sorriso! O estado de
saúde, as disposições de humor e o desejo projetam uma sombra, e o que era
brilhante se embacia e se torna molesto. Gastamo-nos pelo uso, e aquilo que era
vivo e claro se torna tedioso e confuso. Pelo constante atrito, esperança,
frustração, o que era belo e simples começa a causar medo e apreensão. As relações são
complexas e difíceis, e delas poucos podem sair ilesos. Embora gostássemos que
fossem estáticas, duradouras, contínuas, as relações são um movimento, um
processo que precisa ser compreendido, profunda e completamente, e não ser
ajustado a um padrão interior ou exterior. O ajustamento - que constitui a
estrutura social - só perde sua importância e autoridade, quando existe o amor. O amor
nas relações é um processo purificador, porque revela os movimentos do
eu. Sem esta revelação, as relações tem muito pouca significação.

Mas, como lutamos contra esta revelação! A nossa luta assume muitas
formas: dominação ou subserviência, medo ou esperança, ciúme ou
aceitação etc., etc. A dificuldade está em que não amamos; e se amamos, queremos que
esse sentimento funcione de uma determinada maneira; não lhe damos
liberdade. Amamos com a mente, e não com o coração. A mente pode modificar-se; o amor,
não; a mente pode fazer-se invulnerável, o amor não pode; a mente sempre pode
retrair-se, tornar-se exclusiva, pessoal ou impessoal; o amor não
pode ser comparado nem delimitado. O nosso problema reside na coisa que
chamamos amor e que realmente é uma coisa da mente. Enchemos os nossos corações com
as coisas da mente e os mantemos, assim, sempre vazios e expectantes. É a mente
que se apega a alguma coisa que é invejosa, que prende e destrói. Nossa vida
é dominada pelos centros físicos e pela mente. Não amamos deixando o
amor agir sozinho, em liberdade, mas ansiamos por ser amados; damos porque
queremos receber, o que é generosidade da mente e não do coração. A mente está
sempre buscando a certeza, a segurança; e pode o amor tornar-se seguro e
certo, pela ação da mente? Pode a mente, cuja essência mesma é do tempo, captar o
amor, que é sua própria eternidade?

Mas mesmo o amor do coração tem suas manhas; pois, de tal maneira
temos corrompido o nosso coração, que ele se tornou hesitante e confuso. É
isso que torna a vida tão dolorosa e entediante. Num momento, pensamos possuir
o amor, e, no próximo momento, já o perdemos. Surge uma força imponderável,
que não procede da mente e cujas fontes são insondáveis. E esta força é de
novo destruída pela mente; porque nesta batalha a mente parece ser o
invariável vencedor. Este conflito em nosso interior não pode ser resolvido pela
mente astuciosa nem pelo coração hesitante. Não há meio, não há modo de se
por fim a este conflito. A própria busca de um meio é um outro impulso da mente
para dominar, acabar com o conflito, a fim de se tornar pacífica, captar o
amor, vir a ser alguma coisa.

A maior das nossas dificuldades é nos tornarmos ampla e profundamente
cônscios de que não existe meio que nos leve ao amor, como um fim
desejado pelamente. Quando compre endemos isso de maneira real e profunda, há então
a possibilidade de se receber algo não procedente deste mundo. Sem o
contato deste algo, nada do que fizermos trará felicidade duradoura às nossas
relações.

Se vós recebestes essa benção e eu não a recebi, então, naturalmente,
vós e eu estaremos em conflito. Vós podeis não estar em conflito, mas eu
estarei ; e, na minha dor e sofrimento, isolo-me. O sofrimento é tão isolante como o
prazer, e enquanto não houver aquele amor não fabricado por mim, as relações
serão dolorosas. Se recebestes a benção daquele amor, não podeis deixar de
amar-me, como quer que eu seja, porque então não moldais o amor em
conformidade com minha conduta. Quaisquer que sejam os artifícios que a mente ponha em
prática, vós e eu estamos separados. Embora possamos ter certos pontos de
contracto, a integração não está convosco, mas dentro de mim mesmo. Esta
integração não pode ser produzida pela mente, em tempo algum; só pode realizar-se quando
a mente esta de todo em todo silenciosa, tendo alcançado o limite de suas
possibilidades. Só então, não há mais sofrimento nas relações.

em "COMENTÁRIOS SOBRE O VIVER", J. Krishnamurti, Editora Cultrix

Nenhum comentário: