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quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Como não depender da aprovação alheia




Receber palmas vira objetivo em vez de resultado natural por ter feito algo direito. Especialistas

ajudam a identificar a dependência e mostram o caminho da desintoxicação.


Vera Gudin



Todo mundo gosta de ouvir elogios, e não há nenhum problema nisso: o aplauso é um combustível poderoso para alcançar metas e um reconhecimento indispensável para não desanimar no meio do caminho, característica da natureza humana. Para algumas pessoas, porém, é mais do que isso: uma droga sem a qual nada vale a pena. Elas padecem de uma necessidade insaciável de ser aprovadas, estimadas e admiradas sistematicamente pelos outros. Alimentam-se do foco positivo – verbal ou não – que recebem. “Direcionam todo o seu comportamento, de fato a sua vida, para obter esses fragmentos agradáveis de atenção”, observa o escritor, filósofo e orientador psicológico israelense Sam Vaknin no livro Malignant Self Love – Narcissism Revisited (Amor-próprio maligno – Narcisismo revisto), ainda indisponível no Brasil.

Especialistas como Vaknin identificam essa atitude como um transtorno e cunharam até um nome para ele:

narcissistic supply, em português algo como “suprimento narcísico”. Tem controle, mas a parte mais difícil talvez seja assumir que há um desequilíbrio na calibragem entre a necessidade normal e a patológica de elogios. A atriz e cantora Zezé Motta, 65 anos, atual superintendente da Secretaria da Igualdade Racial do Estado do Rio de Janeiro, precisou de anos de terapia para descobrir o problema e aprender a lidar com ele. Eu sentia necessidade de ser aprovada a todo minuto, desde que era bem pequena. Por isso me tornei artista”, diz. “Até hoje, se alguém me olha de forma atravessada no aeroporto, por exemplo, fico arrasada”, confessa sem constrangimento e com uma dose de humor, resultado do autoconhecimento alcançado graças ao divã.

Quem depende da aprovação alheia para ser feliz, a exemplo dos viciados, está sempre ávido pela “droga” redentora: elogios, adulação e aplausos. E quem irá suprir essa “dependência”? Bingo! Quem estiver por perto e se prestar – sempre tem alguém! – a esse papel: um familiar, o melhor amigo, o cônjuge, um vizinho ou até um fã, em se tratando de um artista. “A necessidade de aprovação, reconhecimento e aceitação é importante porque vivemos numa rede social. O professor que acredita ter dado uma boa aula encontra nisso um retorno de seu trabalho”, pondera a psicóloga e psicoterapeuta Daniela Loureiro. “Mas, quando a pessoa estabelece uma relação patológica, ou seja, cria uma dependência de aplausos, há prejuízos. Isso pode gerar depressão, ansiedade e uma tristeza profunda se os elogios não vêm. A aprovação do outro passa a ser um objetivo na vida e não um resultado natural.” O transtorno afeta ambos os sexos, só que as mulheres falam mais abertamente sobre isso. Zezé Motta tomou conhecimento de sua dependência” recentemente. No começo, eu sofria, mas achava muito normal me sentir assim”, relembra.

“Na adolescência, quando algum namorado desistia de mim, ficava de cama. Todo mundo se sente mal quando leva um fora, mas comigo era uma coisa meio exagerada. Eu me trancava no quarto e demorava muito para me recuperar. Trabalhei isso na análise. Hoje, se eu levo um fora, dou uma caminhada, vou ao cinema ou prestigio um amigo que está fazendo um show. Não fico deprimida ou chorando.”

Garimpeiros

Os viciados em aplausos tornam-se experts em garimpar elogios. Muitas vezes, procuram a excelência em alguns – ou em vários – aspectos da vida, seja no trabalho, seja em alguma habilidade específica, como uma modalidade esportiva. Mesmo com bons resultados, nunca estão satisfeitos com o próprio desempenho, o que é típico da natureza do transtorno. “O esforço para melhorar faz parte do desejo natural e saudável do ser humano. Mas uma coisa é querer se aprimorar. Outra, muito diferente, é ficar se cobrando o tempo todo por isso. Temos que ser o melhor que podemos”, destaca o psiquiatra e psicanalista Luiz Alberto Py.

Cobrar-se exaustivamente é um indício de que algo não vai bem. O psiquiatra alerta: “Aqueles que agem assim estão muito inseguros, insatisfeitos. Sentem-se inferiorizados e precisam compensar esse sentimento chamando a atenção e buscando ser os melhores. Em geral, não resolve. Então, acabam caindo em algum tipo de compulsão, seja para bebida, sexo, droga ou para compras, desconsiderando que isso só traz um alívio temporário. É como o remédio que atenua a dor, mas não cura. Se não tratar a causa, ela vai voltar”. Para complicar, nem sempre é possível distinguir o desejo saudável de se aprimorar do patológico. “A pessoa diz: ‘O que busco é minha excelência máxima’, quando, na verdade, precisa o tempo todo que o outro lhe diga quanto é bela, capaz, pois não tem uma autorreferência bem construída, que lhe permita lidar com seus defeitos e com o que não tem de bonito”, afirma a psicóloga Daniela Loureiro.

Filha única, C., 42 anos, sempre foi excelente aluna ao longo da vida acadêmica. A família era a plateia perfeita, endossando seus feitos e alardeando quão inteligente ela era. Ao se formar em advocacia, no início da década de 1990, arrumou um ótimo emprego. Tudo ia maravilhosamente bem até que perdeu uma causa importante, algo normalíssimo para quem é do ramo. Para ela, no entanto, foi um verdadeiro choque.

Só de pensar na possibilidade de um novo fracasso, sentia náuseas e dores de cabeça. A cobrança por um desempenho irrepreensível acabou causando tamanho stress e ansiedade que começou a ter dificuldades em se concentrar no trabalho. Pediu demissão, entrou em depressão e só conseguiu sair da apatia meses depois, graças ao apoio da família. “Pude perceber que meus pais me amavam com minhas fragilidades e meus defeitos. E desde então passei a lidar melhor com minhas fraquezas”, conta C., hoje funcionária pública. A psicóloga Daniela dá pistas do que aconteceu com ela: “A pessoa fica presa a uma imagem que criou e que quer projetar de si, porém a nossa alegria e o interesse de viver não podem estar pautados apenas no reconhecimento público”.

O x da questão

O que leva alguém a precisar com sofreguidão da admiração e da aprovação de terceiros? Pais que vinculam a aceitação dos filhos a suas conquistas ou uma educação que privilegia a competição podem programar nos pequenos essa ânsia por aplausos, segundo alguns especialistas. Já Luiz Alberto Py acredita que o transtorno está vinculado à insegurança e ao sentimento de rejeição. Zezé Motta admite ter se sentido seriamente rejeitada durante a infância. O pai, Luiz, abandonou a mãe, Maria Elavy, quando estava grávida de Zezé. Dos 6 aos 12 anos, a atriz ficou num colégio interno particular mantido por uma instituição espírita. As visitas aconteciam apenas uma vez por mês. “Ficava perguntando: ‘Por que eu?’ ”

Ao sair do internato, passou, por sua vez, a hostilizar a mãe, que colocou um ponto final no conflito com uma conversa franca, contando à filha todas as dificuldades que havia enfrentado ao longo da vida. A confissão foi como um bálsamo na alma de Zezé, que hoje se dá muito bem com os pais. “Sentir-se rejeitado não quer dizer que esteja sendo de fato”, observa Luiz Alberto Py. “Sentimentos são mentirosos e enganam. Em vez de dar tanto crédito a eles, deve-se investigar se estão corretos ou equivocados.” A boa notícia é que sair do buraco pode não ser tão difícil assim. Vencer qualquer tipo de transtorno, seja ele a ânsia incontrolável por receber atenção ou não, é possível por meio de autoconhecimento e superação. Todos temos condições de criar algo melhor para nós mesmos”, assegura a psicóloga Daniela Loureiro.

Programa de desintoxicação

Reconheça que algo vai mal

“A primeira coisa a fazer é entender o que está acontecendo. Só podemos resolver um problema quando sabemos que ele existe e percebemos que a solução está em nossas mãos”, afirma o psicanalista Luiz Alberto Py. A psicóloga Daniela Loureiro lembra que os incômodos e impasses são muito bem-vindos.

“Quando a gente estranha alguma coisa, começa a fazer uma reflexão sobre aquilo que está se tornando automático.”

Procure ajuda profissional

Livrar-se da dependência do aplauso é um trabalho lento, longo e que exige muito empenho do “viciado”. “Com a ajuda de um profissional especializado, pode levar até três anos. Sozinho, uns 20. O auxílio de um terapeuta pode ser extremamente útil para abreviar esse processo, acelerando os resultados”, diz Luiz Alberto Py.

Sintonize razão e emoção

Perceber que se tornou competitiva por se sentir rejeitada e frustrada já é um ótimo ponto de partida. É importante identificar as próprias emoções e pôr a razão para administrá-las. “A emoção nos diz aonde ir, e a razão indica como chegar lá”, afirma Py.

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