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terça-feira, 25 de setembro de 2007

Tibet


O primeiro pesquisador europeu sobre língua tibetana, o húngaro Csoma de Körös, viajou
extensivamente ao Ladakh no início do século XIX antes de produzir seu pioneiro dicionário e resumo de literatura tibetana em 1834. O monge zen-buddhista japonês Ekai Kawaguchi submeteu-se a uma privação extraordinária até, disfarçado de chinês, chegar a Lhasa em 1901, onde a profundidade de seus estudos lingüísticos permitiu que entrasse em uma das grandes universidades monásticas. Ele retornou ao Japão com uma extraordinária coleção de textos.
Alexandra David-Neel, a exploradora buddhista francesa, disfarçada como a mãe de seu lama, teve sucesso em chegar a Lhasa no início do século XX, uma época em que outros exploradores frustraram-se em suas tentativas de chegar à capital. Seus registros de primeira mão sobre as yogas psicofísicas dos monges meditadores fascinaram os pesquisadores sobre o Tibet desde então. Poucos tiveram esses contados próximos com os yogis. E não devemos esquecer Sir Francis Younghunsband, cuja filosofia idiossincrática, prefigurando de modos modos os interesses espirituais contemporâneos, deve muito a experiências pessoais no Tibet.
(John Crook, The Yogins of Ladakh)

Até a invasão chinesa de 1950, pensava-se no Tibet basicamente como um Shangri-Lá, a terra mágica de sabedoria milenar e beleza inacessível, onde os estrangeiros raramente tinham permissão para entrar. Um dos primeiros livros sobre este assunto, que foi campeão de vendagem no mundo inteiro, foi o romance de aventuras de James Hilton, Horizonte Perdido, publicado em 1933, sobre um mosteiro no Tibet. A capital do Tibet, Lhassa, o lar do Dalai Lama, a três mil metros de altitude, envolta em mito e protegida pelos picos nevados do Himalaia, foi muitas vezes chamada de "Cidade Proibida". Isolado e fechado, o Tibet não mudava havia séculos, e o progresso tecnológico e a modernização enfrentaram sempre aí forte resistência. O país nunca passou por uma idade da razão ou de desenvolvimento científico.
Existe uma tendência compreensível em romantizar aquele Tibet que existiu antes da violenta invasão chinesa. Entretanto, é um erro pensar que o Tibet era um Shangri-Lá, onde todos eram iluminados, felizes, vegetarianos e não-violentos. Apesar do Tibet provavelmente dispor da "mais sofisticada tecnologia espiritual e da melhor compreensão das ciências interiores", não podemos fingir que era uma sociedade perfeita. Ainda tinha um longo caminho a percorrer.
Antes de trazer para o cotidiano aquilo que parecia dominar no mundo espiritual. Na verdade, quando examinamos o Tibet com atenção, através de uma visão racional e humanista, temos que admitir que era uma teocracia medieval, onde a democracia, a alfabetização e os modernos avanços da medicina ainda não haviam chegado. O que importa hoje é extrair o ouro do minério do Himalaia — encontrar a essência dos ensinamentos da sabedoria imutável nas encostas pedregosas da cultura asiática, da teologia e da anacrônica cosmologia.
Antes da invasão chinesa, uma vida espiritual de devoção e uma vocação monástica eram
consideradas uma profissão viável. Um terço da população masculina do Tibet habitava os milhares de mosteiros espalhados pelo país; os mosteiros femininos, repletos de mulheres, também eram numerosos. Até recentemente, as únicas rodas em uso no Tibet eram as rodas de oração, as quais, juntamente com os rosários de contas chamados malas, estavam sempre nas mãos de todos, transformando qualquer atividade, assim como a vida das pessoas, em uma prece contínua.
Por volta de 1920, o predecessor do atual Dalai Lama (o presciente Décimo Terceiro Dalai Lama) fez previsões sinistras sobre os planos chineses para conquistar o Tibet e reprimir a prática do buddhismo. Mas os tibetanos, mais preocupados em manter as coisas como estavam do que em evoluir para os tempos modernos, ignoraram as advertências. Quando as Nações Unidas foram formadas depois da Segunda Guerra Mundial, o Tibet escolheu não fazer parte, e pagou muito caro por esta escolha retrógrada.
Em 1950, quando a China entrou no Tibet, alguns lamas, monges e leigos tiveram a boa idéia de fugir do país. Afortunadamente, alguns deles carregaram consigo antigos objetos sagrados e escrituras. A maior parte dos tibetanos, entretanto, ficou lá. Apesar do jovem Dalai Lama temer o pior, por nove longos anos ele ficou em Lhassa, tentando em vão chegar a algum tipo de acordo com o governo chinês.
Então, em 1959, a tensão e a insegurança que pairavam sobre a vida dos tibetanos se
acumularam, originando uma revolta na província oriental de Kham, que chegou até Lhassa. O Dalai Lama foi alertado quando o governo comunista chinês o convidou para assistir a um espetáculo teatral mas não permitiu que levasse seu guarda-costas nem os assistentes.
Preocupados com a segurança de seu líder, milhares de tibetanos cercaram o palácio. Quando a luta começou, o Dalai Lama, vestido como um camponês, saiu do palácio na escuridão e começou a difícil e perigosa jornada, em lombo de burro e a pé, através das montanhas, para fora do Tibet e para o asilo político na Índia. Sem saber que o Dalai Lama havia partido, o exército chinês disparou seus canhões contra o palácio no dia seguinte à sua partida, e milhares de tibetanos civis e desarmados morreram.
Quando os chineses rapidamente tomaram os mosteiros e reprimiram a prática do buddhismo, muitos outros lamas e monges também empreenderam a difícil fuga de sua terra natal. Cerca de cem mil tibetanos conseguiram fugir antes de os chineses fecharem as fronteiras, mas muitos daqueles que iniciaram a jornada desapareceram no Himalaia sem deixar vestígios. Para os que ficaram, a vida tomou-se dura e cruel. Monjas, monges e lamas, além de leigos, foram torturados e assassinados. A Anistia Internacional calcula que cerca de um mi1hão e duzentos mil tibetanos tenham sido mortos pelo exército chinês, e muitos ainda permanecem em campos de prisioneiros no nordeste do Tíbete. Dos irnimeros mosteiros antigos que no passado adornavam o árido platô himalaio, apenas duas dúzias ainda permanecem, deixados de pé pelos chineses apenas para exibição.
Os lamas e monges que escaparam precisavam encontrar novos lares. Muitos, como o Dalai Lama, que agora tem sua casa em Dharamsala, na Índia, se estabeleceram em regiões vizinhas ou nos países próximos, como Índia, Nepal, Sikkim, Ladakh e Butão. Outros viajaram para bem longe, terminando na França, na Suíça, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Esses mestres também se lembraram das instruções do Buddha aos primeiros sessenta discípulos iluminados, para continuar a espalhar os ensinamentos: "Vão para o mundo, oh monges, para o bem de muitos,
para a felicidade de muitos, por compaixão do mundo."
Com a invasão chinesa do Tibet, foi como se uma represa houvesse arrebentado: de repente a sabedoria tibetana começou a fluir livremente do teto do mundo em direção ao Ocidente. Monges e monjas, lamas e mestres que nunca haviam deixado seus mosteiros de clausura e suas ermidas isoladas tiveram que enfrentar um novo mundo — cheio de homens e mulheres ansiosos para aprender sobre o Dharma. Os mestres tibetanos dizem que se houve um bem emanado da invasão chinesa, este bem foi a disseminação dos ensinamentos para tantos alunos novos.
(Lama Surya Das, O Despertar do Buda Interior)

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