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segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Amor real não depende do outro


Estar relacionado significa não depender do outro.


Temos de considerar o nosso relacionamento tal como é agora, todos os dias; e, observando o que ele é, descobriremos como transformar essa realidade. Assim, estamos descrevendo as coisas tais como efetivamente são. Cada um vive em seu próprio mundo, em seu mundo pessoal de ambição, de cobiça, de medo, de desejo de sucesso e assim por diante. Se sou casado, tenho responsabilidades, filhos; vou ao escritório ou algum outro lugar de trabalho; marido e mulher, rapaz e moça, se encontram na cama. E a isto damos o nome de amor — levar vidas separadas, ser isolados, construir uma parede de resistência ao nosso redor, levando avante uma atividade que gira em torno de nós mesmos. Cada qual procura segurança psicologicamente; cada qual depende do outro para se sentir confortado, para ter prazer, para ter companhia. Como somos todos profundamente solitários, cada um exige que o amem, que o valorizem; cada um está tentando dominar o outro. Vocês mesmos podem perceber isso se se observarem. Há na vida de vocês algum tipo de relacionamento, qualquer que seja? Não há relacionamento entre dois seres humanos; embora possam ter filhos, um lar, na realidade os dois não estão relacionados entre si. Se tem um projeto comum, esse projeto os sustenta, os matem juntos, mas isso não é relacionamento.
Dando-se conta disso, a pessoa percebe que, se não há relacionamento entre dois seres humanos, começa a corrupção, não na estrutura externa da sociedade, no fenômeno externo da poluição, mas na poluição interior, a destruição. Os seres humanos na realidade não tem nenhum relacionamento — como é o caso de vocês. Vocês podem segurar a mão um do outro, beijar-se, dormir juntos; mas na realidade, quando observam tudo isso bem de perto, haverá aí algum relacionamento? Estar relacionado significa não depender do outro, não tentar escapar da própria solidão por meio do outro, não tentar encontrar conforto, companhia, por intermédio do outro. Quando vocês procuram o conforto por meio do outro, quando são dependentes, etc., pode haver algum tipo de relacionamento? Não estarão vocês, nesse caso, usando-se mutuamente?
Não estamos sendo pessimistas, mas observando a realidade tal como é; isso não é pessimismo. Para descobrir o que de fato significa estar relacionado com o outro, é necessário compreender a questão da solidão, porque a maioria de nós é terrivelmente solitária; quanto mais envelhecemos, tanto mais solitários ficamos, principalmente neste país [Estados Unidos]. Vocês já observaram como são os mais velhos? Já se deram conta de suas fugas, de suas diversões? Eles trabalharam a vida inteira e querem fugir para alguma espécie de entretenimento.
Vendo isso, será possível encontrar uma maneira de viver na qual não usemos o outro psicológica nem emocionalmente, não dependamos do outro, não o façamos de válvula de escape das nossas próprias torturas, dos nossos próprios desesperos, da nossa própria solidão?
Compreender isso equivale a compreender o que significa ser solitário. Vocês já ficaram solitários? Sabem o que isso quer dizer? Quer dizer que vocês não têm relação com o outro, estão completamente isolados. Podem estar com a família, no meio da multidão, no escritório, em qualquer lugar, quando essa sensação de profunda solidão, com o desespero que a acompanha, de súbito desaba sobre vocês. Até resolverem isso por completo, seus relacionamentos assumem o caráter de um meio de fuga, levando, por conseguinte, à corrupção, à angústia. Como proceder para compreender essa solidão, essa sensação de isolamento? Para compreendê-la, temos de examinar a nossa própria vida. Não é verdade que todas as suas ações são atividades que giram em torno de vocês mesmos? Vocês podem de vez em quando ser caridosos, generosos, fazer algo sem interesse próprio — trata-se de ocasiões raras. Esses desespero jamais pode ser dissolvido por meio de uma fuga, mas apenas mediante a sua observação.
Logo, voltamos à questão de como nos observarmos a nós mesmos de modo que não haja nenhum conflito nessa observação. Porque o conflito é corrupção, perda de energia; é a batalha da nossa vida do momento em que nascemos até a hora da morte. Será possível viver sem um único instante de conflito? Para fazê-lo, para descobrir isso por nós mesmos, temos de aprender a observar todo o nosso movimento. Há uma observação verdadeira quando não há o observador, mas apenas a observação.
Quando não há relacionamento, pode haver amor? Falamos sobre isso e o amor, tal como o conhecemos, está vinculado com o sexo e o prazer, não é? Alguns de vocês dizem “não”. Se dizem não, vocês devem ser sem ambição, não havendo, assim, competição, divisão — como “você” e “eu”, “nós” e “eles”. Não pode haver divisão de nacionalidade, nem divisão causada pela crença, pelo conhecimento. Só então vocês podem dizer que amam. Porém, para a maioria das pessoas, o amor está vinculado com o sexo e com o prazer, e com toda a labuta concomitante — ciúme, inveja, antagonismo — vocês sabem o que acontece entre um homem e uma mulher. Quando esse relacionamento não é verdadeiro, real, profundo, completamente harmonioso. Como podem vocês ter paz neste mundo? Como pode a guerra ter fim?
Assim, o relacionamento é uma das coisas mais importantes — ou melhor, a coisa mais importante — da vida. Isso significa que se tem de compreender o que é o amor. Certamente deparamos com ele de uma maneira estranha, sem procura-lo. Quando descobrem por si mesmos o que o amor não é, vocês ficam sabendo o que ele é. Não de forma teórica nem verbal, mas quando se dão efetivamente conta do que ele não é: não ter uma mente competitiva, ambiciosa, uma mente que se empenha, compara, imita. É impossível uma mente assim poder amar.
E será que vocês, vivendo neste mundo podem ser completamente sem ambição, jamais se comparando com qualquer outra pessoa? Porque, no momento em que vocês se comparam com o outro, há conflito, há inveja, há o desejo de alcançar, de ir além dele.
Será que uma mente e um coração que se lembram de mágoas, dos insultos, das coisas que os tornaram insensíveis e embotados, será que uma tal mente e um tal coração podem saber o que é o amor? No entanto, o que estamos procurando, consciente ou inconscientemente? Os nossos deuses são o resultado do nosso prazer. As nossas crenças, a nossa estrutura social, a moral da sociedade — que é essencialmente imoral — são o resultado da nossa busca do prazer. E quando vocês dizem “eu amo alguém”, isso é amor? Amor significa ausência de separação, de dominação, de atividade autocentrada. Para descobrir o que ele é, é imprescindível negar tudo isso — negar no sentido de perceber a sua falsidade. Uma vez que se perceba como falsa uma coisa que se aceitava como verdadeira, natural, humana, não mais se pode voltar a ela; quando veem uma cobra ou outro animal perigoso, vocês nunca brincam com ele, vocês nunca se aproximam dele. Do mesmo modo, quando perceberem efetivamente que o amor não é nenhuma dessas coisas, quando o sentirem, o observarem, o mastigarem, viverem com ele, comprometerem-se inteiramente com ele, vocês saberão o que é o amor, o que é a compaixão — que é paixão por todos.
Não temos paixão; temos luxúria, temos prazer. O significado original da palavra paixão é sofrimento. Todos já tivemos algum tipo de sofrimento, por perder alguém, o sofrimento da autocomiseração, o sofrimento da raça humana, tanto coletivo como pessoal. Sabemos o que é o sofrimento, a morte de alguém quejulgamos amar. Quando permanecemos com esse sofrimento de maneira total, sem tentar racionalizá-lo, sem tentar escapar dele de nenhuma forma — por meio de palavras ou da ação —, quando nos mantemos com ele completamente, sem nenhum movimento do pensamento, descobrimos que desse sofrimento vem a paixão. Essa paixão tem a qualidade do amor, e o amor não tem sofrimento.

Krishnamurti —Nova Iorque, 24 de abril de 1971
Extraído do livro: O despertar da Inteligência (Não editado no Brasil)

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