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segunda-feira, 25 de junho de 2012
O poder da Meditação
A técnica ganha espaço em instituições renomadas e prova ser eficaz contra um leque cada
vez maior de doenças. Entre elas, a depressão, males cardíacos e até Aids
Cilene Pereira e Maíra Magro
Ela chegou ao Ocidente como mais um item da lista de atrações exóticas do Oriente. Hoje,
está se transformando em um dos mais respeitados recursos terapêuticos usados pela
medicina que conhecemos. Está se falando aqui da meditação, uma prática milenar cujo
principal objetivo é limpar a mente dos milhares de pensamentos desnecessários que por ela
passam a cada minuto, ajudando o indivíduo a se concentrar no momento presente. É por essa
razão que um de seus benefícios é o de ajudar as pessoas a lidar com sentimentos como a
ansiedade. Mas o que se tem visto, de acordo com as numerosas pesquisas científicas a
respeito da técnica, é que a meditação se firma cada vez mais como uma espécie de remédio
– acessível e sem efeitos colaterais – indicado para um leque já amplo de enfermidades: da
depressão ao controle da dor, da artrite reumatoide aos efeitos colaterais do câncer.
A inclusão da prática no rol de tratamentos da medicina ocidental é um fenômeno mundial.
Nos Estados Unidos, por exemplo, ela figura entre as opções de centros renomados como o
Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, um dos centros de referência do planeta no
tratamento da doença. Também está disponível na Clínica Mayo, outro respeitado serviço de
saúde. No Brasil, o método começa a ganhar espaço, boa parte dele assegurado pela Política
de Práticas Integrativas e Complementares do SUS, implementada em 2006 pelo Ministério da
Saúde. Ela incentiva o uso, pela rede pública, de uma série de práticas não convencionais
– como a medicina tradicional chinesa, a acupuntura e a fitoterapia – para auxiliar no
processo de cura. “Nessas diretrizes, a meditação está prevista como parte integrante da
medicina chinesa”, explica a médica sanitarista Carmem De Simoni, coordenadora do
programa.
Em Campinas, no interior de São Paulo, 20 postos de saúde oferecem treinamentos de
meditação gratuitos à população. Em São Carlos, também no interior paulista, alguns postos
públicos de atendimento começarão a ofertar este ano sessões usando uma técnica conhecida
como atenção plena (Mindfulness-Based Stress Reduction, ou MBSR, em inglês), desenvolvida
pelo Centro Médico da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos. É baseada em
exercícios de respiração e consciência corporal que ajudam o indivíduo a focar as
percepções no momento presente. “Queremos incluir a prática em 30 unidades de saúde”, diz
Marcelo Demarzo, chefe do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Carlos.
Outra experiência interessante no Brasil é o uso do método em escolas da rede estadual do
ensino médio do Rio de Janeiro. Trata-se de uma iniciativa da Fundação David Lynch, criada
pelo cineasta americano, com o objetivo de reduzir a violência nos colégios por meio da
prática. Um projeto piloto com cerca de 750 crianças e adolescentes de 10 a 18 anos
mostrou que ela contribui para o aumento da concentração e da criatividade. “Muitas
relataram ainda benefícios como redução de crises de dor de cabeça”, diz Joan Roura,
representante da entidade no Brasil.
O Hospital Albert Einstein, em São Paulo, decidiu oferecer a prática tanto para pacientes
quanto para funcionários, depois de testá-la por dois anos no setor de oncologia. “Nos
pacientes em tratamento contra o câncer, notamos uma diminuição na ansiedade e maior
disposição para enfrentar a doença”, afirma o médico Paulo de Tarso Lima. Ele é
responsável pelo serviço de medicina integrativa no hospital, que promove a adoção de
terapias complementares – entre elas, a meditação – para auxiliar no tratamento
convencional.
O movimento que se observa atualmente com a meditação é o mesmo experimentado pela
acupuntura cerca de dez anos atrás. Da mesma forma que o método das agulhas, ela conquista
o respeito da medicina tradicional porque tem passado nas provas de eficácia realizadas de
acordo com a ciência ocidental. Isso quer dizer que, aos olhos dos pesquisadores, foi
despida de qualquer caráter esotérico, mostrando-se, ao contrário, um recurso possível a
todos – ninguém precisa ser guru indiano para praticá-lo – e de fato capaz de promover no
organismo mudanças fisiológicas importantes.
A profusão de pesquisas que apontam algumas dessas alterações é grande. Os resultados mais
impressionantes vêm dos estudos que se propõem a investigar seus efeitos no cérebro. Um
exemplo é o trabalho realizado na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, e
publicado na revista científica “NeuroImage”. Após compararem o cérebro de 22 meditadores
com o de 22 pessoas que nunca meditaram, eles descobriram que os praticantes possuem
algumas estruturas cerebrais maiores do que as dos não praticantes. Especificamente,
hipocampo, tálamo e córtex orbitofrontal. As duas primeiras estão envolvidas no
processamento das emoções. E a terceira região, no raciocínio. “Sabemos que as pessoas que
meditam têm uma habilidade singular para cultivar emoções positivas”, disse à ISTOÉ Eileen
Luders, do Laboratório de Neuroimagem da universidade. “As diferenças observadas na
anatomia cerebral desses indivíduos nos deram uma pista da razão desse fenômeno.”
Na publicação “Psychological Science”, há outro trabalho interessante. Pesquisadores da
Universidade George Mason constataram que a prática proporciona uma melhora significativa
na memória visual. Normalmente, uma imagem é armazenada integralmente no cérebro por
pouquíssimo tempo. Mas o estudo verificou que monges, habituados a meditar todos os dias,
conseguem guardá-las – com riqueza de detalhes – até 30 minutos depois de praticar. “Isso
significa que a meditação melhora muito este tipo de memória, mesmo após um certo
período”, disse à ISTOÉ Maria Kozhenikov, autora do experimento. Essa habilidade
transforma a técnica em um potencial instrumento para complementar o tratamento de doenças
que prejudiquem a memória, como o mal de Alzheimer.
No Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein, aqui no Brasil, pela técnica de
ressonância magnética foram fotografados os cérebros de 100 voluntários, antes e depois de
um retiro de uma semana para práticas diárias. “Na análise de uma primeira amostra,
observamos que as áreas ligadas à atenção, como o córtex pré-frontal e o cíngulo anterior,
ficaram mais ativadas após o treinamento”, afirma a bióloga Elisa Kozasa, responsável pela
pesquisa. As regiões cerebrais eram observadas enquanto os voluntários realizavam testes
para medir o quanto estavam atentos. “Houve uma tendência de maior número de acertos e
mais velocidade nas respostas após a meditação”, explica a pesquisadora Elisa.
Na área da oncologia, há várias evidências científicas de eficácia. Tome-se como exemplo o
estudo feito na Universidade de Brasília pelo psiquiatra Juarez Iório Castellar. Ele
investiga os efeitos do método em 80 pacientes com histórico de câncer de mama. Castellar
pediu às participantes que preenchessem questionários para medir a qualidade de vida. Por
meio da coleta de amostras de sangue e saliva antes e depois dos exercícios meditativos,
ele também está acompanhando variações hormonais que indicam a situação da doença. “Um dos
dados que já verificamos é que a meditação reduziu os efeitos colaterais da quimioterapia,
como náuseas, vômitos, insônia e inapetência”, afirma.
Outra frente de pesquisas tenta decifrar seu impacto nas doenças mentais. Novamente, as
conclusões são bem animadoras. Na Universidade de Exeter, na Inglaterra, o pesquisador
Willem Kuyken verificou que o método é uma opção concreta para auxiliar no controle da
depressão a longo prazo. Depois de 15 meses comparando a evolução de pacientes que
meditavam e tomavam remédios com a apresentada por aqueles que apenas usavam os
antidepressivos, o cientista constatou que crises mais sérias ocorreram em 47% dos
meditadores, enquanto entre os outros o índice foi de 60%. Na Universidade George
Washington, nos Estados Unidos, a técnica provou-se uma aliada no tratamento de crianças
com transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. “Houve redução de 50% dos sintomas
após três meses de prática”, disse à ISTOÉ Sarina Grosswald, coordenadora da pesquisa. Há
ainda evidências de benefícios na luta contra transtornos alimentares como bulimia e
dependência de drogas. “A meditação relaxa os dependentes e os torna mais fortes para
resistir à vontade de consumir drogas”, explicou à ISTOÉ Elias Dakwar, do Instituto de
Psiquiatria do Columbia-Presbyterian Medical Center, em Nova York, instituição que passou
a usar o método recentemente.
O segredo que possibilita efeitos dessa magnitude nestes tipos de patologias é o fato de a
meditação ensinar o indivíduo a viver o presente, sem antecipar medos e sofrimentos. “E
como o ato de pensar é ‘desligado’, a mente transcende seu estado ocupado e experimenta um
profundo silêncio”, explica Sarina Grosswald. “O corpo, por sua vez, fica totalmente
relaxado.” É este o mecanismo que também explica parte do seu poder contra a dor. “O
método ajuda os pacientes a perceberem a dor e a deixá-la ir embora, sem se prender a
ela”, disse à ISTOÉ Paula Goolkasian, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados
Unidos. Ela faz parte de uma equipe que estuda intensamente a relação entre dor e
meditação e é autora de alguns artigos científicos a respeito do tema.
Permeando todos esses processos, porém, está a redução do stress proporcionada pelo método
– e os benefícios advindos disso. O controle da tensão implica mudanças importantes na
química cerebral, entre elas a diminuição da produção do cortisol. Liberado em situações
de stress, o hormônio tem consequências danosas. Uma delas é a elevação da pressão
arterial. Portanto, quanto menor sua concentração, mais baixas são as chances de
hipertensão. E como a meditação diminui o stress, acaba reduzindo, indiretamente, a
pressão. Este mecanismo explica por que a técnica contribui para a prevenção de doenças
cardiovasculares, como o infarto e o acidente vascular cerebral, causadas, entre outras
coisas, por uma pressão arterial acima dos níveis recomendados. Um estudo recente
realizado na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, deu uma ideia desse potencial.
Durante nove anos, os cientistas acompanharam 201 homens e mulheres com média de 59 anos
de idade. Parte foi orientada a meditar todos os dias e o restante recebeu recomendação
para mudar hábitos. Os meditadores tiveram 47% menos chance de morrer de um problema
cardiovascular em comparação com os outros. Com base nesse resultado, o coordenador da
pesquisa, Robert Schneider, considera que a descoberta equivale ao encontro de uma nova
classe de “remédios” para evitar essas enfermidades. “Nesse caso, a medicação é derivada
dos próprios mecanismos de cura do corpo e de sua farmácia interna”, disse à ISTOÉ.
A ciência registrou ainda mais um impacto positivo da redução do stress promovida pelo
método: o auxílio contra a Aids. A doença caracteriza-se pelo ataque do vírus HIV aos
linfócitos CD-4 (células que integram o sistema de defesa do corpo). Por causa disso, o
corpo fica mais vulnerável a infecções, podendo sucumbir a elas. Mas é sabido que outro
inimigo dos exércitos de defesa é o stress: o hormônio cortisol enfraquece seu
funcionamento. Por isso, diminuir a tensão é uma maneira de evitar que isso aconteça. Na
Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, os cientistas testaram a força da
meditação para controlar o stress em pacientes com Aids e constataram que, também aqui,
ela funciona. Eles selecionaram 48 pessoas soropositivas, divididas em dois grupos: um
meditou e o outro, não. Após oito semanas, os que a praticaram não apresentavam perda de
CD-4, ao contrário dos outros participantes. Isso revela que a meditação reduziu o stress.
Dessa maneira, contribuiu para preservar o sistema imunológico dos pacientes, ajudando a
retardar o avanço do HIV.
Uma das mais intrigantes abordagens de pesquisa é a que estuda a relação entre o método e
o envelhecimento precoce. Os pesquisadores começaram a fazer essa associação a partir da
certeza do vínculo entre o stress – ele de novo – e a ocorrência de uma deterioração
celular acentuada. Partindo desse raciocínio, eles querem saber se a meditação também
teria efeito indireto nesse mecanismo, já que atua sobre o stress. Cientistas da
Universidade da Califórnia estão investigando se a redução do stress causada pela
meditação poderia provocar um efeito benéfico sobre os telômeros – espécie de capa
protetora das extremidades dos cromossomos cujo comprimento está associado ao grau de
envelhecimento celular. Quanto mais comprido, menor o índice de desgaste. E um dos fatores
de desgaste dos telômeros é o stress. Portanto, quanto menos stress, mais preservadas
essas estruturas.
No Brasil, o interesse por esse tema, especificamente, também cresce. O médico José
Antônio Esper Curiati, do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, por
exemplo, coordena grupos de meditação para idosos. “Estou medindo os efeitos da prática em
aspectos como memória, humor e qualidade do sono”, diz. No Centro de Estudos do
Envelhecimento da Universidade Federal de São Paulo, o médico Fernando Bignardi é outro
que acompanha os reflexos em indivíduos na terceira idade. “O que notamos de mais imediato
é uma mudança na condição emocional”, relata. “Depois há uma melhora no sono, nas
condições metabólicas e, finalmente, alterações clínicas que levam à melhora de doenças
como hipertensão e diabetes.”
A experiência bem-sucedida incentivou Bignardi a desenvolver uma pesquisa mais ampla. A
instituição acompanha a saúde de 1,5 mil idosos para verificar a relação entre estilo de
vida, personalidade, cognição e doenças. A intenção agora é analisar como a prática
meditativa interfere nessa equação – inclusive na incidência de doenças neurodegenerativas
como o mal de Alzheimer. A médica Edith Horibe, presidente da Academia Brasileira de
Medicina Antienvelhecimento, já indica a meditação para seus pacientes. “Sem dúvida, ela
permite uma vida mais longa e com saúde”, afirma. “E a técnica não exige mudanças no
estilo de vida”, completa Kleber Tani, diretor da seção carioca da Sociedade Internacional
de Meditação.
Matéria publicada na Revista ISTOÉ, em 19 de fevereiro de 2010.
Breno Henrique de Sousa* comenta
Meditação no Espiritismo
A palavra meditação é vulgarmente entendida como a prática da reflexão sobre questões
relevantes na vida. Neste sentido, é comum na literatura espírita o convite à meditação
(reflexão) sobre nossas atitudes, sobre quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Na
questão 919, de O Livro dos Espíritos, Santo Agostinho nos convida a refletir diariamente
sobre nossas atitudes, na busca do auto-conhecimento e da perfeição moral.
À época de Kardec, a meditação, enquanto prática de desenvolvimento mental pelos
princípios da atenção plena, auxiliada por uma série de técnicas geralmente advindas das
culturas orientais, era pouco conhecida no ocidente e estava no ciclo restrito das escolas
esotéricas, mesclada com seus princípios místicos. Devido ao caráter de clareza e
objetividade do Espiritismo, pelo fato da Doutrina encontrar-se em processo de formação e
ao caráter místico que ainda era atribuído a esta prática, não vamos encontrar, nos
primórdios da doutrina espírita, ênfase na prática da meditação, mas sim na reflexão sobre
questões existenciais ou ainda a “concentração” para fins de prática e desenvolvimento
mediúnicos.
No que se refere à concentração para a prática mediúnica, não está clara a relação entre
esta e a meditação. No capítulo XVII, de O Livro dos Médiuns, que trata da formação dos
médiuns, fala-se da postura do médium, a evocação dos espíritos, a vontade como elemento
fundamental, deixando clara a importância do caráter magnético do fenômeno mediúnico, onde
o espírito comunicante estabelece uma relação fluídica com o médium. Não foi pesquisado,
por exemplo, como a prática da meditação, dentro dos princípios e finalidades expostos na
matéria, pode repercutir sobre a qualidade da prática mediúnica, mas, a julgar pelos
resultados apresentados na reportagem, resultados já amplamente divulgados pela mídia, os
efeitos só poderão ser positivos.
Nos dias atuais, assim como foi afirmado na matéria, a meditação não precisa estar
necessariamente vinculada a um aspecto místico ou esotérico. Além disso, são comprovados
cientificamente os resultados positivos da prática da meditação. Despojada de seu caráter
místico e comprovada cientificamente a sua eficácia no equilíbrio das emoções e das
faculdades psíquicas, não há nenhum obstáculo ou incompatibilidade com o Espiritismo. Tudo
o que serve para o desenvolvimento do potencial humano e que esteja demonstrado pela
ciência, deve ser endossado pelo Espiritismo, conforme dizia o próprio Allan Kardec.
Já é comum em muitas obras espíritas atuais, em seminários e congressos, referências às
técnicas de meditação como um auxiliar terapêutico e complementar nos tratamentos
espirituais. Algumas instituições até iniciam seus participantes nestas técnicas, porém, é
preciso refletir sobre a forma como terapêuticas modernas e eficazes devem ou não ser
introduzidas no espaço do centro espírita. Sabe-se que não é muito difícil encontrar
instituições espíritas que pratiquem a homeopatia, a fitoterapia e até mesmo acumputura.
Sem ter a pretensão de afirmar de maneira categórica que estas terapias devem ou não fazer
parte do centro espírita, é preciso ter cuidado para que estas práticas não
descaracterizem a própria terapêutica espírita. Além disso, estas terapias complementares
possuem seus próprios espaços destinados à sua prática e difusão de seus princípios e nada
impede que o espírita procure estes espaços para usufruir dos benefícios ali oferecidos.
O tema é amplo e abre espaço para muitas reflexões. O mais importante nesta bem elaborada
reportagem é mais uma vez a comprovação de que a mente determina a saúde do corpo físico e
mais um passo para a afirmação de que somos seres espirituais em uma experiência
transitória na matéria.
* Breno Henrique de Sousa é paraibano de João Pessoa, graduado em Ciências Agrárias e
mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal da Paraíba.
Ambientalista e militante do movimento espírita paraibano há mais de 10 anos, sendo
articulista e expositor.
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