Marina
Silva - A carta roubada
O Brasil
não tem mais um Código Florestal, mas uma confusão jurídica. Um amontoado de
remendos cuja função é semelhante à de uma pinguela, uma ponte improvisada no
tronco de uma árvore abatida, para atravessar o período da Rio+20. Depois, o
empenho em destruir a legislação ambiental certamente prosseguirá.
A versão:
apesar de já ter o texto do novo Código "Florestal", o governo só o
mostrou três dias depois da pomposa entrevista ministerial. Todos, inclusive
jornalistas, às cegas, com acesso só à versão, feita em PowerPoint, de que a
presidente Dilma chancelou (em alguns aspectos até piorou) o texto, ao arrepio
da palavra empenhada, em "respeito ao Congresso e à democracia".
Só que os
fatos, mesmo quando distorcidos, estarão sempre, como na carta roubada de Edgar
Allan Poe, bem ali, no lugar onde se imaginava tê-los escondido.
Quatro dias
depois, não no porta-cartas, mas no "Diário Oficial", estavam as
inúmeras maldades da caixa de Pandora, sempre indiferente ao futuro, na velha
porção ruralista: anistia aos desmatadores e incentivo a novos desmatamentos.
Exigências abaixo do mínimo aceitável cientificamente de proteção aos topos de
morros, encostas, veredas, apicuns, margens de rios, manguezais etc.
Está sendo
abolida, na prática, a função social da propriedade e o direito dos brasileiros
a um ambiente saudável. Os donos da terra são agora donos do ar, das águas, da
fauna e da flora, para delas dispor como bem entender a lei do mais forte, que
fizeram prevalecer.
Em troca,
devem apenas evitar comemorações públicas, fingir contrariedade aceitando os
vetos parciais e criticar os "radicais" ambientalistas, que não
querem sorrir para a foto. Estes apenas alertam para a verdade simples: nem
tudo pode ser objeto de negociação política. Se uma nascente, para não secar,
precisa de certa quantidade de vegetação ao seu redor, como podem parlamentares
decidir que não?
O Brasil
será, enquanto não recuperar o bom-senso nessa área, uma terra sem lei. A
violência recrudesce e não se passa uma semana sem um assassinato no campo ou
na floresta. A discussão do código concentrou-se em anistiar ou não quem
desmatou, se até 2008 ou antes, se deveriam ou não reflorestar, se toda a área
ou só uma parte etc. Resumindo, em que medida legalizar os crimes ambientais. E
o pior, o acordo político decidiu que a ilegalidade ambiental compensa.
Vamos agora
à Rio+20 com o governo exibindo ao mundo os bons frutos da queda do
desmatamento, obtidos com a lei que está sendo abolida.
Mas há uma
falha, no mundo como no Brasil, nesse sistema: a natureza não o obedece. E a
sua versão será o futuro real, a palavra final, a lei que "pega" e
que pune.
Folha de S.Paulo
01/06/2012
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