Qual é o problema de se estudar e divulgar "Os
Quatro Evangelhos" de J-B. Roustaing?
Alguns poderiam objetar: "puxa, mas qual é o
problema de se estudar e divulgar "Os Quatro Evangelhos" de J-B.
Roustaing? Será que lá não encontramos ensinamentos bons? Não fala em Jesus, em
Evangelho? Afinal, esse livro teria sido escrito pelos evangelistas e por
Moisés, segundo o próprio Roustaing!
Mas, antes, vejamos algumas das (graves, consideramos)
discordâncias entre o Espiritismo e o Roustainguismo:
1 - No Roustainguismo, a encarnação se dá por castigo
- Os Anjos Decaídos
"Atingindo o ponto de preparação para entrarem no
reino humano, os Espíritos se preparam, de fato, em mundos ad-hoc, para a vida
espiritual consciente, independente e livre. É nesse momento que entram naquele
estado de inocência e ignorância. (...)
"Chegado deste modo à condição de espírito
formado, de espírito pronto para ser humanizado se vier a falir, o Espírito se
encontra num estado de inocência completa, tendo abandonado, com os seus
últimos invólucros animais, os instintos oriundos das exigências da
animalidade". (1º Vol., 5ª ed., pág. 295).
Para Roustaing, portanto, a encarnação humana não é
uma necessidade; o Espírito só será humanizado se vier a falir, isto é, a
encarnação humana se dá por castigo.
"Não; a encarnação humana não é uma necessidade,
é um castigo, já o dissemos. E o castigo não pode preceder a culpa".
"O Espírito não é humanizado, também já o
explicamos, antes que a primeira falta o tenha sujeitado à encarnação humana.
Só então ele é preparado, como igualmente já o mostramos, para sofrer as
conseqüências". (1º Vol., 5ª ed., pág. 317)
Comparem com o que ensina a Doutrina Espírita:
P. 132 de „O Livro dos Espíritos‟
(LE): "Qual é a finalidade da encarnação dos Espíritos?"
R.: Deus a impõe com o fim de levá-los à perfeição:
para uns, é uma expiação; para outros, uma missão. Mas, para chegar a essa
perfeição, eles devem sofrer todas as vicissitudes da existência corpórea;
nisto é que está a expiação. A encarnação tem ainda outra finalidade, que é a
de pôr o espírito em condições de enfrentar a sua parte na obra da criação. É
para executá-la que ele toma um aparelho em cada mundo, em harmonia com a sua
matéria essencial, a fim de nele cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de
Deus. E, dessa
maneira, concorrendo para a obra geral, também
progride."
P. 133: "Os Espíritos que, desde o princípio,
seguiram o caminho do bem, têm necessidade da encarnação?".
R.: Todos são criados simples e ignorantes e se
instruem através das lutas e tribulações da vida corporal. Deus, que é justo,
não podia fazer felizes a alguns, sem penas e sem trabalhos e, por conseguinte,
sem mérito".
Mais um ponto de discordância. O Espiritismo rejeita
peremptoriamente a metempsicose, enquanto Roustaing ( e os espíritos que se
comunicaram) a defende, especialmente no caso de o espírito descrer da
existência de Deus.
2 - Espíritos "falidos" encarnariam como
lesmas
"Queda pelo ateísmo, levando à encarnação
primitiva"
"Até o ateísmo - por mais impossível que pareça -
até o ateísmo não raro se manifesta naqueles pobres cegos colocados no centro
mesmo da luz. E nunca, como aí, o ateísmo nasce tão diretamente do orgulho. Não
vendo aquele de quem tudo emana, negam-lhe a existência e se consideram a base
e a cúpula do edifício. Nesse caso, sobretudo nesse caso, mais severo é o
castigo. É um dos casos de primitiva encarnação humana. Preciso se torna que os
culpados sintam, no seu interesse, o peso da mão cuja existência não quiseram
reconhecer." (1º vol., pág. 311)
Esses ateus sofrem o castigo da "primitiva
encarnação humana" transformando-se em lesmas, a que Roustaing dá o nome
de "criptógamos carnudos":
"São corpos rudimentares. O homem aporta a essas
terras no estado de esboço, como tudo que se forma nas terras primitivas. O
macho e a fêmea não são nem desenvolvidos, nem fortes, nem inteligentes".
"Mal se arrastando nos seus grosseiros
invólucros, vivem, como os animais, do que encontram no solo e lhes convenha.
As árvores e o terreno produzem abundantemente para a nutrição de cada espécie.
Os animais carnívoros não os caçam. (...)
"O Espírito vai habitar corpos formados de
substâncias contidas nas matérias constitutivas do planeta. Esses corpos não
são aparelhados como os vossos, porém os elementos que os compõem se acham
dispostos por maneira que o Espírito os possa usar e aperfeiçoar. Não
poderíamos compará-los melhor do que a criptógamos carnudos."
Heresia científica: "Criptógamo carnudo"
jamais poderia ser utilizado para designar um animal, uma vez que a palavra
"criptógamo" serve para designar certas plantas cujos órgãos
reprodutores não aparecem, são ocultos.
Herculano Pires comenta:
"Essa é a revelação da revelação. Roustaing copia
e desfigura Kardec acrescentando aos seus ensinos os maiores absurdos. Note-se
que essas criaturas estranhas, em forma de larvas e lesmas, são encarnações de
espíritos humanos que haviam atingido alta evolução sem passar pela encarnação
humana. Depois de desenvolverem a razão em alto grau e de haverem colaborado
com Deus nos processos da Criação, chegando mesmo a orientar criaturas humanas,
voltam à condição de criptógamos carnudos(...)"
Em resumo, a tese rustenista conflita com um princípio
basilar da Doutrina Espírita, o da Não-Retrogração do Espírito, e defende a
metempsicose.
É claro que o grupo que estudava Roustaing foi alvo de
toda sorte de crítica face aos absurdos detectados por vários espíritas que
estudavam e defendiam a Codificação.
Ismael e seus simpatizantes reagiram e se disseram
incompreendidos e perseguidos pelos "espíritos das trevas" (termo
corrente entre os rustenistas).
Proclamando-se representantes do Cristo na Terra,
declararam:
"São as escutas da Treva. Por trás delas comandam
os maiorais. A cada um que aqui aporta corresponde um novo acesso de fúria
daqueles que vêem inutilizados os seus propósitos, pelos soldados do Cristo de
Deus, sob o comando de Ismael." ("Trabalhos do Grupo Ismael")
"Peçamos ao divino Pastor que defenda a Casa de
Ismael, que lhe coloque às portas as sentinelas do seu amor, a fim de que a
treva não assalte de surpresa, derrubando os pobres calcetas, que na carne
procuram servi-la."
Percebam que os rustenistas fazem o papel de vítimas,
enquanto posicionam seus adversários ideológicos como "agentes da
trevas" e obsidiados.
"Pensa (Vinícius) que ao demônio da cizânia,
esforçada e continuamente aplicado à obra nefasta da discórdia, da
separatividade, da divisão, se devem imputar as hostilidades de que é alvo a
Federação. Só a esse demônio se pode atribuir que alguns irmãos que militam nas
nossas fileiras sejam levados a ver grandes disparidades entre a obra do Mestre
e a de Roustaing e a combater esta última, que para todo aquele que aprecia, de
ânimo desprevenido e sem idéias preconcebidas, se apresenta como complementar
da outra, pelo zelo extremo que a primeira lhe inspira."
J.B. Roustaing foi contemporâneo de Kardec e residia
na cidade de Bordéus (ou Bordeaux). Militou no movimento espírita nascente
daquela cidade.
Kardec chegou a visitar Bordéus, sendo recebido
festivamente por todos. Roustaing não compareceu para receber Kardec,
possivelmente irritado com a indiferença com que Kardec se reportou à sua obra.
Foi então durante a permanência de Kardec junto aos
espíritas bordelenses que Erasto fez a seguinte advertência, como jamais havia
feito antes e jamais haveria de fazer depois, coincidentemente na mesma cidade
em que surgia "Os Quatro Evangelhos" de Roustaing:
(...) Se não tivésseis dado o exemplo de uma
fraternidade sólida; se, enfim, não fosseis um centro sério e importante da
grande comunhão Espírita francesa, eu teria deixado esta questão na sombra.
Mas, se a levanto, é que tenho plausíveis razões para vos convidar a manter,
entre os vossos diversos grupos, a paz e a unidade de Doutrina (...)
Não ignoro, e não deveis ignorar não mais, que se
empregará de tudo para semear a divisão entre vós; que se procurará armar-vos
emboscadas; que se semeará, sobre o vosso caminho, armadilhas de toda sorte;
que vos oporão uns aos outros, a fim de fomentar uma divisão e levar a uma
ruptura sob todos os aspectos lamentáveis; mas sabereis evitar isso, praticando
primeiro diante de vós mesmos, e em seguida diante de todos, os sublimes
preceitos da lei de amor e caridade. (...)
"Vossos excelentes guias já vos disseram: tereis
de lutar não só contra os orgulhosos, os egoístas, os materialistas e todos
esses infortunados que estão imbuídos do espírito do século; mas ainda, e
sobretudo, contra a turba de Espíritos enganadores (...) que virão logo vos
atacar : uns com dissertações previamente combinadas onde, à custa de algumas
piedosas tiradas, insinuarão a heresia ou algum princípio dissolvente; os
outros com comunicações abertamente hostis aos ensinamentos dados pelos
verdadeiros missionários do Espírito de Verdade. Ah! Crede-me, não temais nunca
então em desmascarar os patifes que, novos Tartufos, se introduzirão entre vós
sob a máscara da religião; sede igualmente
sem piedade para com os lobos devoradores que se
escondem sob peles de ovelhas. (...)
A mensagem acima de Erasto merece toda nossa atenção.
Leiam não só uma vez, mais quantas forem necessárias, e perceberão facilmente a
firmeza que Erasto sugere que se tenha para lidar com essa classe de espíritos.
E notem e meditem sobre a seguinte frase:
"Crede-me, não temais nunca então em desmascarar
os patifes que, novos Tartufos, se introduzirão entre vós sob a máscara da
religião; sede igualmente sem piedade para com os lobos devoradores que se
escondem sob peles de ovelhas. (...)
"Devi vos falar como o fiz, porque me dirijo a
pessoas que ouvem a razão, a homens que perseguem seriamente um objetivo
eminentemente útil; a melhoria e a emancipação da raça
humana; (...) Devi vos falar assim, porque era preciso
vos premunir contra um perigo, vo-lo assinalando: era meu dever; vim cumpri-lo."
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