As seitas são agrupamentos de caráter voluntário. Os indivíduos têm certa possibilidade de decidir (teoricamente, uma possibilidade absoluta de decidir) com respeito a sua adesão aos dogmas da seita. O crente deve eleger a seita, embora se trate, na realidade, de uma eleição reciproca ( a seita admite ou rejeita essa pessoa). Para passar a ser um de seus membros se requer certa prova de mérito: o indivíduo tem de ser digno de pertencer a ela. Há nisso um forte sentido de identidade: aquele que é admitido se converte em "um dos nossos". E este "dos nossos" se coloca acima de todos os demais "nossos", crescendo em força no sentido em que a seita reclama para si um acesso especial e, normalmente, exclusivo as verdades sobrenaturais. A seita é um grupo que exige de seus membros uma submissão plena e consciente que se não chega a eliminar todos os demais compromissos deve, ao menos, situar-se acima deles, quer se refiram ao estado, a tribo, a classe social ou a família.
Relacionado a estas características, se encontra o fato que a seita se considera a si mesma como uma elite. Enquanto possuidora da única e verdadeira doutrina, dos ritos adequados e dos modelos corretos de retidão no comportamento social, se considera a si mesma com um grupo aparte, arrogando para si normalmente a salvação exclusiva. As seitas mostram normalmente uma inclinação para o exclusivismo. O estar afiliado a elas se situa acima de todos os demais compromissos de tipo secular, e normalmente exclui os demais compromissos religiosos. Ao separar-se dos outros grupos, as seitas impugnam a santidade e autoridade dos mesmos; o fato de pertencer a uma seita determinada supõe, assim, um distanciamento, e talvez uma hostilidade, frente a outras seitas e grupos religiosos.
Do rigor destes atributos se segue que a maioria das seitas, sendo voluntárias, têm uma vida muito intensa e impõe a seus membros responsabilidades, assim como contam também com certos procedimentos para expulsar os desviados. A seita não é uma entidade inconsciente, como poderia ocorrer com uma casta ou um clã em determinadas circunstâncias sociais. Em outras palavras: não é um grupo social que se considere como uma unidade "natural". Em oposição ao modo tradicional que tinham os judeus de conceber sua fé, ou os povos latinos de conceber o catolicismo, a seita tem consciência de si mesma, e sua formação e recrutamento são processos conscientes e deliberados. Por isso, é também um grupo que possui um sentido de sua própria integridade e que pensa que essa integridade pode ser ameaçada pelos membros despreocupados ou insuficientemente comprometidos. Por isso, as seitas expulsam aqueles que se mostrem indignos delas.
Isto impõe, por sua vez, uma série de normas a cada um dos seus membros.
Eles hão de seguir a vida do perfeito sectário e, por conseguinte, a voluntariedade de sua submissão e a prova de que merece ser membro do grupo somente serão possíveis se tenham um sentido de compromisso pessoal. Como as seitas não admitem discriminações quanto ao grau de compromisso, a integridade da seita e claramente a integridade que reina entre seus membros. O autocontrole, a consciência e a retidão são, pois, importantes características do sectarismo.
Embora as seitas professem uma série de ensinamentos, de mandamentos e de práticas distintos dos que mantêm os ortodoxos, esta alternativa não supõe jamais uma total e absoluta negação de todos os elementos existentes na tradição ortodoxa, pois de outro modo não poderíamos qualificar a seita de ser uma seita. Ela ainda se mantêm, ou procura manter-se, e mesmo defender sua posição de ser a forma mais pura e legitima da fé original. Se trata fundamentalmente de acentuar uma série de matizes diferentes, acrescentando-se alguns elementos novos e suprimindo outros. Para propor esta alternativa a seita deve recorrer a algum principio de autoridade distinto daquele que é inerente a tradição ortodoxa, defendendo, ao mesmo tempo, sua supremacia. A autoridade invocada por uma seita pode ser a suprema revelação de um líder carismático, pode consistir em uma reinterpretação dos escritos sagrados, ou bem pode ser a idéia de que os verdadeiros fiéis obterão uma revelação por si mesmos.
Normalmente, o adepto assume seu compromisso com a seita de forma distinta dos demais homens: com efeito, a seita se converte no ponto mais importante com respeito a sua pessoa. Quando se faz alusão a ele, o que interessa saber antes de qualquer outro dado, e que se trata de um membro de tal ou qual seita.
Qualquer de nós, arrastados pelo desejo de impor ao mundo uma ordem conceitual, sente a tentação de buscar limites precisos e categorias inequívocas. As seitas parecem uma afirmação quase natural desse mesmo principio. E não poderia ser de outro modo, dado que as seitas são entidades sociais construídas pelos homens e com consciência de si mesmas. Sem renunciar a esse enunciado geral, temos de admitir que na realidade pode resultar tão árduo o trabalho de definir com certeza as características de uma seita como nos trabalhos antropológicos o é definir entidades as vezes tão vagas que são as tribos. As seitas, semelhantemente as tribos, mantêm uma forte concepção de "nós" em contraposição com todos os demais. Mas este "nós" pode variar quanto a sua aplicação, como ocorre com as tribos, e apresentar limites pouco definidos. Quem se acha completamente comprometido normalmente não tem problemas, mas há casos em que estão vinculados as seitas os chamados"simpatizantes" que jamais procuraram a admissão nelas, ou que jamais a conseguiram. Possuem também em seu bojo jovens que não poderão fazer parte dela até alcançarem certa idade.
E, o que é mais significativo, as seitas podem considerar a alguns movimentos, de certo modo, mais próximos da verdade que outros. Isto pode ocorrer, por exemplo, quando dentro de uma seita ocorre um cisma.
No principio, os grupos cindidos entre si possivelmente lançarão anátemas múltiplos, fortalecendo consideravelmente seu sentido de autoidentificação pelo fato de terem um inimigo palpável. Mas, uma vez que a ruptura inicial sumir no esquecimento, ambos os grupos podem chegar a admitir que têm mais em comum que motivos de separação, levando os velhos antagonismos de caráter reciproco a se apaziguarem.
STATUS DE ELITE.
Até que ponto uma seita considera a si mesma como uma elite social é algo que depende de toda uma série de fatores concretos, os mais importantes dos quais são a tradição escatologica recebida e o caráter das relações que os membros da seita mantêm com os de fora.
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