Osório, o contraditor demovido pelos fatos.
Herculano Pires.
(...) O saudoso escritor Osório Borba escrevia um livro contra Chico Xavier. O autor de A Comédia Literária desejava provar que Chico não passava de pasticheiro. Encontrou-se comigo e Cid Franco em Belo Horizonte. Íamos a Pedro Leopoldo, visitar o médium. Osório não nos revelou o que estava fazendo mas pediu para acompanhar-nos. Quando voltamos para Belo Horizonte e fomos a um bar, Osório se abriu: “Vou provar que o Chico é um pasticheiro, seja consciente ou inconsciente. Ele me impressionou bem, mas tenho de provar isso. Meu livro está quase pronto”. Discutimos a respeito e entre os vários casos que vieram à baila citei-lhe Augusto dos Anjos. Osório, para meu assombro, me disse: “Está aí um ponto curioso. Chico o pasticha bem, mas cometeu em Parnaso de Além-Túmulo um engano imperdoável: atribuiu a Antero de Quental o soneto Número Infinito, que pastichou para Augusto”. Protestei e mostrei-lhe que esse soneto era um réplica admirável do próprio Augusto dos Anjos ao soneto Último Número que ele tinha escrito em vida. Osório enfureceu-se, protestou, agitou o bar. Prometeu que chegando ao Rio verificaria isso a me escreveria. Nunca me escreveu a respeito e nunca, também, publicou o livro contra Chico.
Lembro-me disso face a face com Chico e lhe pergunto: “Por que foi que esse maravilhoso soneto de Augusto dos Anjos, verdadeira ficha de identidade do poeta, não figurou na nona edição do Parnaso, comemorativa do 40° anos de sua publicação?” Chico baixou os olhos e respondeu: “Não sei. Desde a quinta edição do Parnaso que eles tiraram esse soneto”. E desviou o assunto. Eles são os seus editores da FEB, a cujo departamento editorial Chico cedeu gratuitamente uns oitenta livros. Nem sequer para a sua obra psicografada este homem que deu sua vida ao trabalho mediúnico pode exigir o respeito que ela merece.
Herculano Pires.
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O Parnáso de Além Túmulo constitui-se na primeira obra psicografada de Chico Xavier, lançada em julho de 1932 pela Federação Espírita Brasileira. Esta primeira edição trazia sessenta poemas, assinados por nove poetas brasileiros, quatro portugueses e um anônimo. A partir da segunda edição, publicada em 1935, novos poemas foram sendo colocados na obra até à 6ª edição, publicada em 1955, quando fixou-se a quantidade de poemas em duzentos e cinqüenta e nove, de cinquenta e seis autores desencarnados luso-brasileiros. Nesta edição de 1955 o poema Número Infinito foi retirado. E até a edição que possuo, a 13º edição, não foi recolocado. Aqui reproduzimos este soneto na íntegra no artigo do Ramiro Gama.
Ramiro Gama no intróito de seu livro "Lindos casos de CHico Xavier":
PALAVRAS NECESSÁRIAS
Em 1931, residíamos em Três-Rios, no Estado do Rio, e éramos o
Presidente do “GRUPO ESPÍRITA FÉ E ESPERANÇA”.
Por este motivo, carteávamo-nos com M. Quintão e Dr. Guillon Ribeiro —
este, Presidente e, aquele, Vice Presidente da Federação Espírita Brasileira.
Como gratidão ao muito que estes grandes amigos nos davam, através de
suas correspondências verdadeiramente evangélicas, que muito nos
esclareceram, oferecemo-lhes nossa monografia sobre ““Augusto dos Anjos””
com a qual tomamos posse na “Academia Pedro II”, hoje “Carioca de Letras”.
Em troca, recebemos, do primeiro, uma carta encomiando nosso humilde
trabalho literário e, do segundo, outra não menos encomiástica, acompanhada
de um exemplar do “REFORMADOR”, registrando poesias psicografadas pelo
médium Francisco Cândido Xavier e assinadas por ““Augusto dos Anjos””, —
com um pedido para que fizéssemos uma crônica, dando-lhes nossa impressão
sobre o grande trabalho que se iniciava no mediunismo dos nossos dias, em
terras do Brasil.
* * *
Nossos olhos caíram sobre o poema VOZES DE UMA SOMBRA e se
maravilharam. Aquilo era mesmo, todo inteiro, de “Augusto dos Anjos”, mas de
um “Augusto dos Anjos” melhorado, mais crente e menos pessimista. Seu
poema era bem um Hino à Verdade do Homem Eterno e Redimido e, ao
mesmo tempo, uma resposta cabal ao materialismo doentio do seu “POEMA”
“NEGRO”, escrito quando encarnado.
* * *
Mas uma dúvida envolvia nosso pensamento Dizíamos de nós para
conosco: por que o inimitável burilador do “EU”, logo que sentira a justiça da
imortalidade do Espírito, para melhor identificar-se, não se dera pressa em
desmentir, como um ato de gratidão a Deus, o mal-entendido que nos deixou
com seu “ÚLTIMO NÚMERO”, feito 15 minutos antes de desencarnar?
Escrevemos, então, aos caros amigos da Casa de Ismael, dizendo-lhes da
nossa dúvida e da nossa descoberta. E, dias depois, recebíamos, pelo correio,
como a melhor das respostas, um exemplar do “PARNASO DE ALÉMTÚMULO”.
Folheando-lhe as páginas, famintamente, surpreendemo-nos com
uma infinidade de poesias de vários poetas. E, procurando, com ânsia e mais
famintamente, o lugar em que se achavam as de “Augusto dos Anjos”, mais
ainda nos surpreendemos em encontrar, logo de começo, o “NÚMERO
INFINITO”. Jubilamo-nos aliviados; então, “Augusto dos Anjos”, o mágico
criador de imagens emocionantes e inéditas, lera nosso pensamento, traduzira
nossa dúvida, e ali estava atendendo-nos e comovendo-nos, sobremodo...
“GLORIA IN EXCELSIS”! Os mortos estavam mesmo de pé e, pelo seu
grande médium Francisco Cândido Xavier, iriam falar aos vivos da terra!
E escrevemos a crônica abaixo que constou de O Reformador de setembro de 1932 e que diz bem de nosso estado de alma e de como
recebemos o maravilhoso livro:
“PARNASO DE ALÉM-TÚMULO”
Esta criatura simples e boa que se chama Francisco Cândido Xavier,
graças à misericórdia de Deus, acaba de dar significativo e lindo presente ao
Espiritismo hodierno, oferecendo-lhe um livro de poesias de poetas de alémtúmulo,
que a sua mediunidade limpa e segura psicografou.
E tanto mais valioso o seu livro à Doutrina de Jesus quanto se sabe que,
emparedado no seu próprio sonho de ser humilde e bom, dono de uma
instrução mediana, e, mesmo assim, obtida a golpes de esforço próprio —
Francisco Cândido Xavier obteve (e obterá se Deus quiser) poesia do além,
sintetizando culturas variadas e, confessadamente por ele, acima da que
possui, e cuja autenticidade assombra pela forma estilar, valor idealístico e
sentido característico dos que as assinam.
O Espiritismo precisava deste livro. Ele só, estou certo, dará muito que
pensar aos orgulhosos e infelizes materialistas... Ele é e será, já agora, a
“DELENDA CARTAGO” da crítica —, apaixonada, ou dos fanáticos das
religiões sem asas; mas também, sem dúvida é e será um dique formidável às
marés da incredulidade. Lendo-o, mesmo sem se conhecer o médium e a sua
cultura, tem-se um consolo e uma certeza imensos: Francisco Cândido Xavier
é um instrumento limpo, uma harpa afinada e de ouro dos irmãos do espaço. E
o Espiritismo, mais uma vez, se afirma neste princípio soberano e tão discutido
—, e ainda pouco acreditado ou compreendido: os mortos vivem, melhor e
mais do que nós, e podem falar e escrever por nosso intermédio, tanto ou
melhor, como se vivos fossem na terra.
Nós, que militamos — graças a Deus — no campo espírita e que até há
bem pouco militávamos na corrente literária da nova geração, perfilando figuras
do Brasil mental, entre as quais a de “Augusto dos Anjos”, — podemos em
verdade dizer da alegria boa e sincera, grande e confortadora, que nos invadiu
a alma, ao certificarmo-nos de que todos os versos do “PARNASO DE ALÉMTÚMULO”
são, de fato, dos poetas que os assinam.
Dos versos de “Augusto dos Anjos”, psicografados por Francisco Cândido
Xavier, então, fora um sacrilégio pensar ao contrário. São bem dele, mas de
um “Augusto dos Anjos” já bem mais espiritualizado, piedoso, cristão e senhor
da Verdade Única do Evangelho de Jesus e ventilador de temas mais dignos
da sua imensa cultura filosófica.
* * *
Nós, que lhe conhecemos todos os versos, linha a linha, que lhe
decoramos os rítmos, que nos extasiamos com seu verbalismo individual e
único, tão decantado por “Euclides da Cunha”, integrando-nos naquele
Amazonas de belezas, confessamos: ao ler, em “PARNASO DE ALÉMTÚMULO”
“VOZES DE UMA SOMBRA”, ficamos profundamente encantados.
O poeta científico do “EU”, “o torturado”, “o armazenador de dores”, o
jeremiador pessimista, que foi, — consanguíneo mental dos “Carlyle”, dos
“Dante”, dos “Pascal”, dos “Pöe” e dos “Spencer”, hoje, é mais humanista, mais
geral e nos parece o mesmo na pujança mental, no verbalismo galhardo na
qualidade e quantidade esplendorosas dos seus conceitos, mas tão diferente
do seu “SENTIR” de encarnado. Graças a Deus! Ganhou o que lhe faltava para
ser maior e despertar em si o Anjo, que possuía e não sabia ver, quando na
terra.
*
Vejamos como progrediu, moral e intelectualmente. No seu verso: HINO Á
DOR, ele cantava, quando encarnado:
“A DOR ...
Nasce de um desígnio divino...”
“DOR! Saúde dos seres que se fanam,
Riqueza da alma, psíquico tesouro,
Alegria das glândulas do choro
De onde todas as lágrimas emanam...
* * *
Mas esquecia-se de dizer que ela não nasce de um “DESIGNIO DIVINO”
como muitos acreditam. Calava-se e, às vezes, se revoltava, como no
“POEMA” “NEGRO”, contra os seus males, na maioria, provindos da falta de
resignação e da dúvida mantida com seu ateísmo, conforme o perfilamos.
Agora, porém, serena, culta e cristãmente, ele nos afirma:
“A DOR...
Não nasce de um “DESIGNIO DIVINO”,
Nem da fatalidade do destino
Que destrói nossas células sensitivas;
Vem-nos dos próprios males que engendramos
Em cujo ignoto báratro afundamos,
Através de existências sucessivas”
Encarnado ou desencarnado, “Augusto dos Anjos” é o mesmo abusador
de: “MORTE”, “DOR”, “VERMES”, “MATERIA”, etc. E, como em todo poeta de
sua estirpe, o mesmo repetidor de frases marmóreas, como em “VOZES DE
UMA SOMBRA”, — filigranas de cinzel, síntese da ciência de “Darwin” e de
“Descartes” — provando-nos que seu vocabulário não foi esquecido, mas
aumentado e enriquecido.
Do além nos diz:
“Como vivem o novo e o obsoleto,
O ângulo obtuso e o ângulo reto
Dentro das linhas da geometria...”
Na Terra dissera:
“O ângulo obtuso, pois, e o ângulo reto
Uma feição humana e outra divina...”
Assim também, em “NÚMERO INFINITO”, que é um continuador
expressivo do “ÚLTIMO NÚMERO”, — feito 15 minutos antes de desencarnar.
— Neste, como encarnado, dizia que tudo morre, pensando ser o seu Último
Número... Agora, desencarnado. certifica-se de que ele é “INFINITO”...
ÚLTIMO NÚMERO (feito como encarnado)
Hora de minha morte. Hirta, ao meu lado,
A idéia exterlorava-se.... No fundo
Do meu entendimento moribundo
Jazia o “ÚLTIMO NÚMERO” cansado.
Era de vê-lo, imóvel, resignado,
Tragicamente de si mesmo oriundo
Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Com o reflexo fúnebre de Incriado.
Bradei: — Que fazes ainda no meu crânio?...
E o “ÚLTIMO NÚMERO”, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: É tarde, amigo,
Pois que a minha antogênica grandeza
Nunca vibrou em tua língua presa,
Não te abandono mais! Morro contigo!
NÚMERO INFINITO (feito como desencarnado)
Sístoles e diástoles derradeiras
No Hirto peito, rígido e gelado.
E eu via o “ÚLTIMO NÚMERO” extenuado
Extertorando sobre as montureiras.
Escuridão, ânsias e inferneiras.
Depois o ar, o oxigênio eterizado.
E depois do oxigênio o ilimitado,
Resplendente clarão de horas primeiras.
Busquei a última visão das vistas foscas.
O derradeiro Número entre as moscas,
À camada telúrica adstrito.
E eu vi, vítima dúctil da desgraça,
Vi que cada minuto que se passa
É nova luz do Número Infinito.
* * *
E assim, continua o nosso “Augusto dos Anjos”, melhorado, colocando sua vasta inteligência a serviço da Causa da Verdade. E, humanizado e piedoso,
menos herético, mais sábio e esclarecido sobre o “DONDE VIEMOS” E “PARA
ONDE VAMOS”, mostrando-nos ser um escafandrista dos mares da Verdade e
um pesquisador mais seguro das coisas do Infinito, — dá pensamento às
árvores, humaniza as sombras, penetra a alma do éter e ministra ao mundo
incrédulo, lições magníficas da imortalidade da alma e da pluralidade das existências
e dos mundos habitados, através dos versos de ouro do “PARNASO
DE ALÉM-TÚMULO’: “VOZ DO INFINITO”, “VOZ HUMANA”, “ALMA”,
“ANÁLISE”, “EVOLUÇÃO”, “HOMO”, “INCÓGNITA”, e “EGO SUM”, — que bem
poderiam ser enfeixados, sozinhos, num livro, que excederia de muito o
primeiro “EU”.
Sentimos não poder transcrever aqui todos eles. Pois, tão belos, em parte,
quanto esses seus últimos versos, só, justamente, os versos famosos do “EU”.
Bem nos mostra, no Além, que a Arte continua sendo para sua inteligência,
o que lhe foi na terra: — um espelho de Anel, a refletir sempre a beleza e a
Grandeza das Obras de Jesus!
Graças damos ao Criador por permitir tal graça: qual a de lermos
autênticos versos de Poetas de Além-Túmulo, como os de “Augusto dos
Anjos”. E abençoada seja, para todo o sempre, a mediunidade de Francisco
Cândido Xavier!
Ramiro Gama* * *
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