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terça-feira, 27 de janeiro de 2009


CONSTRUÇÃO DA NATUREZA

De fato, a cultura humana é bem mais antiga que nossa natureza enquanto espécie, pois ela remonta a pelo menos 2 milhões de anos, sendo que o Homo sapiens surgiu há apenas 200 mil anos, engendrado dentro de e por um contexto cultural que tomava a reprodução humana a seu cargo. Se evoluímos biologicamente, isso se deu sob a pressão da seleção cultural, ou seja, a necessidade de culturalizar nossa animalidade.
Isso não faz de nós ou de nossos ancestrais "páginas em branco" despidas de qualquer imperativo biológico; quer dizer simplesmente que o que foi selecionado de maneira específica pelo gênero Homo foi a capacidade de realizar esses imperativos de mil maneiras diferentes e pouco conhecidas, mas demonstradas pela história e pela antropologia.
O fato mais pertinente para compreender as relações entre cultura e natureza humana não é, por exemplo, o fato de que todas as culturas conhecem a sexualidade, mas que toda sexualidade conhece a cultura. As pulsões sexuais são diversamente expressas e reprimidas segundo as definições, específicas de cada cultura, de o que são os parceiros, as circunstâncias, os lugares, os momentos e as funções corporais apropriados.
Alguns chegam a praticar sexo por telefone. Outro exemplo de manipulação conceitual é a célebre réplica do ex-presidente Bill Clinton: "Não fiz sexo com essa mulher". Inversamente, sublimamos nossa sexualidade genérica de mil maneiras, incluindo a de transcendê-la e dar preferência à castidade, valorizada pelo pensamento cristão.
O mesmo se aplica à agressividade: podemos brincar de guerra, desancar impiedosamente o livro mais recente de um acadêmico inimigo ou, mesmo, à moda nova-iorquina, responder a um "tenha um bom dia" com "não preciso receber ordens de você!".
Sejam quais forem nossas necessidades, pulsões, inclinações inatas, quer sejam de ordem agressiva, egoísta, alimentar, social ou altruísta, elas são frutos de uma definição simbólica, portanto de ordem cultural. Na espécie humana, a biologia é um determinante culturalmente determinado.

Marshall Sahlins

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